Os gansos de Roma (e uns daqui)
Por volta de 390 a.C., Roma foi invadida pelas tropas de um guerreiro celta; o assalto aconteceu de noite e a cidade império foi quase toda dominada, com exceção do Senado, no monte Capitólio: ali, os soldados romanos estavam despertos, porque alguns gansos fizeram grande alarido, denunciando a aproximação de estranhos. Então, houve resistência a ponto de ser possível uma negociação que envolveu o peso em ouro da enorme espada de ferro do guerreiro invasor.
Conta-se que, em retribuição e à custa de seus minguados víveres, os romanos alimentaram os gansos durante todo o tempo do cerco, e os consagraram ao deuses romanos, garantindo também que vivessem livres no Capitólio.
Não obstante o lirismo da coisa toda – e, oh, como precisam de sinais divinos os meros mortais! - o saque de Roma foi uma grande humilhação e um revés nos planos romanos de expansão – ou seja, nem só de grasnidos se faz um império, não é mesmo?
Mas pré povo gosta de uma boa história – especialmente se envolve heroísmo, ainda que não intencional ou, mesmo, meramente irracional – e os gansos barulhentos do Capitólio ganharam o mundo.
Há outra história envolvendo essas aves, que se passa na idade média: certo fazendeiro decidiu levar alguns gansos para vender na feira, então, foi ao terreiro, agarrou as aves pelo pescoço, jogou-as na gaiola da carroça e partiu rumo ao burgo.
Revoltadíssimas, as aves começaram a grasnar: “Que tratamento humilhante! Como podemos aceitar ser criados para o abate, nosso fígado virar patê, nossa carne virar assado, nossas penas virarem estofo de colchão?! Ora, nossos ancestrais foram heróis em Roma! Heróis! Fomos consagrados aos deuses! Somos descendentes de gansos tão importantes que foram alimentados à custa do bem-estar de pessoas! Pessoas! Seres humanos! Somos mais importantes que seres humanos! Nós, gansos, temos nosso orgulho e não devemos abrir mão dele!”
A lenga-lenga seguiu até metade da viagem, quando o fazendeiro, farto da zoada, tirou os gansos da gaiola e torceu-lhes o pescoço. O homem, que não entendia nada de orgulho ou de heroísmo, sabia exatamente o quanto valiam os gansos mortos, com o benefício de chegar à feira de bom humor.
Mas outros tipos de descendentes dos gansos de Roma tem aportado por aqui, neste período eleitoreiro: filhos e netos de velhas raposas políticas, doidinhos para darem continuidade à vaidade alimentada às custas do bem-estar de outras pessoas, ufanando-se da amizade com certos 'deuses' coniventes, grasnando sobre a ingratidão dos cidadãos a quem seus ancestrais 'ajudaram', mas incapazes de apresentar qualquer realização própria.
É zoada demais, ética de menos, e sem oferta de qualquer negociação do tipo 'primeiro vou merecer seu voto, depois você me elege, tá legal?'
Sugiro que também desses a gente coma o fígado, faça um bom guizado da carne e aproveite bem as penas.
Afinal, um ganso morto é mais útil que político carreirista que não serve nem para avisar que nossa Democracia está sob ataque.