COM A GLOBO SOMOS MAIS FELIZES?

COM A GLOBO SOMOS MAIS FELIZES?

Quando meu pai comprou a primeira televisão, lá por 1958 ou 59, todos os dias eu ficava assistindo até encerrar a programação, por volta das 23h00minhoras. Era um parelho da marca Silverstone, comprado na loja Sears Roebuck, em Santos, na Rua Amador Bueno. O último programa era “O Diário de São Paulo na TV” na extinta TV Tupi, a única que pegava. Assistia junto com meu pai e não perdia uma notícia sequer. A velocidade com que as informações chegavam até nós era muito lenta. A televisão, uma grande novidade, encurtou muito o tempo decorrido entre a ocorrência dos fatos e a divulgação deles. Nós aguardávamos a hora do noticiário com grande curiosidade, pois não tínhamos ideia do que havia ocorrido no mundo, exceto as notícias urgentes, que eram dadas pelo rádio em edições extraordinárias. A leitura do mundo era atualizada aos poucos, em pílulas diárias. No início, as reportagens eram feitas em filmes depois de revelados, o vídeo tape veio bem depois, o que agilizou muito a divulgação das notícias. Todos os dias no início da noite chegavam pessoas amigas para assistir a programação da TV. Eram os “televizinhos”. A televisão era novidade e atraia a curiosidade das pessoas, que logo ficavam “viciadas” e, assim que podiam, compravam o seu aparelho. Eu achava bem interessante, era uma reunião de pessoas amigas e todos davam palpites. A novela era passada ao vivo, tinha “Repórter Esso na TV” apresentado por Heron Domingues, “TV de Vanguarda”, teleteatro ao vivo, “Grandes Atrações Pirani” aos domingos, a maravilhosa Neide Alexandre como garota propaganda (quantos suspiros em mim, adolescente, ela provocou!). O slogan era “Pirani, a gigante do Brás” e, depois que a loja cresceu muito, virou “Pirani, a gigante de São Paulo”. Após o jornal noturno a estação saía do ar.

Outro grande veículo de informação era a imprensa. O Estado de São Paulo, o Diário de São Paulo e outros jornais forneciam as notícias do mundo. Notícias locais, A Tribuna era o mais completo embora trouxesse muitas outras. Esportes, Gazeta Esportiva trazia tudo. A Revista do Rádio, da qual minha avó era assinante, trazia reportagens sobre todos os artistas, fofocas, biografias, etc.. Lembro-me de uma foto da Isaurinha Garcia com uma garrafa na mão e a chamada dizia que a artista gostava de tomar uma cervejinha. Mas a foto era de Cavalinho, uma cachaça. Minha avó conhecia a vida e demais informações sobre todos os cantores e cantoras do rádio, locutores, jornalistas, etc.. O Capricho trazia foto romances. Eu lia tudo. Lembro-me de ter lido uma das primeiras notas de que havia um político de futuro nos Estados Unidos que, à semelhança do nosso presidente, possuía as mesmas iniciais: JK. Nome completo: John Fitzgerald Kennedy. Em uma cidade chamada Liverpool, na Inglaterra, uma obscura banda de rock com quatro cabeludos de terno e de nome estranho estava fazendo sucesso com um estilo diferente: The Beatles. “I Want to Hold Your Hand” (1963) e “She loves you” (1964) eram as músicas mais tocadas.

Esse hábito, a vontade de apreender como funciona o mundo, se é que exista um “como” nisso, uns livrinhos lidos com muita curiosidade, e a vivência diária moldaram o “quadro mental” que tenho do mundo em que vivo. Ou seja, nada além daquilo que maiorias das pessoas têm acesso. Faço parte das pessoas que não acreditam em palavras e me assusto como a imensa maioria das pessoas acredita no que houve sem verificar se há coerência entre palavras e comportamento. Esse negócio de mentiras faladas com veemência convencerem a maioria comigo não funciona. Não é possível acreditar em pregação feita com altos brados se o pregador vive em desacordo com aquilo que fala.

Mas, inocência minha à parte, a comunicação escrita, falada, televisada, internetisada, virtual, tomou proporções jamais previstas naquela época. Em 1965 uma nova rede apareceu: a Globo. Aos poucos foi massificando o povo. Perdemos as identidades regionais, todos acompanham o mesmo capítulo da mesma novela, estar no Rio Grande do Sul ou na Bahia é a mesma coisa.

Santos, 24 de Julho de 2018.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 24/07/2018
Código do texto: T6399261
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