FANTASMAS DA LEMBRANÇA - UMA CASA ANTIGA



Uma velha casa.
Assombrada e misteriosa,diria alguém à primeira vista.
Repleta de histórias,observaria outro mais atento,a quem pesara na avaliação olhares de saudosismo e emoção.
No entanto,ambos haveriam de concordar numa coisa:era de fato uma velha casa !...
O efeito do tempo lhe havia furtado as cores,quebrado vidraças,posto em desalinho as estruturas;mas algo de nobre lhe fazia calcada no que sobrara de sua imponência,tentando una sobrevida no abandono do jardim,nos traços musguentos do arvoredo sombreando-lhe a solidão de janelas e portas fechadas à décadas.
Num tempo distante,a quietude rala da mata rasgava-se no declive de uma estrada de chão,em acentuada curva sumindo atrás da estação de trens.No começo dessa estrada,do ponto mais elevado,avistava-se ao fim da ladeira,nos contornos da curva,uma bela casa. Estratégicamente edificada,como se fôra um portal,fazia-se ponto de referência,um autêntico destaque aos olhos de quem chegava àquele povoado.
Harmoniosa combinação de cores subia-lhe às paredes de madeira até o envidraçado sótão com uma sacada buscando ao Sul as paralelas da linha férrea,a estação de trens com intenso movimento,por onde um dia a história do lugarejo resgistrou com orgulho a parada,ainda que breve,de um trem internacional conduzindo Evita Peron a caminho da sua amada Argentina.
Revela uma senhora,hoje da elite,que fora personagem naquela plataforma,a emoção que lhe tomara quando a Sra.Peron surgindo no estrado do trem acenara um lenço branco exalando um perfume inesquecível,enibriante...
Mal podia,diz a senhora,imaginar aquela menina moça tão humilde e pobre de então,iria um dia receber da vida a dádiva de poder comprar nos Champs Elisées o seu proprio perfume - o perfume de Evita - aquele que sua memória olfativa guardara naquela estação incrustada entre as araucárias.
Uma carroça percorria assiduamente o trecho de estrada cruzando em frente àquela casa...No comando das rédeas,Uma polonesa;e a seu lado,quieto e atento um menino que guardara nas retinas os áureos tempos daquela moradia.O destino era aos moinhos de cereais incrustados no coração do lugarejo,de onde vinham suprimentos aos animais da senhora condutora.
A lentidão da carroça,as rodas sulcando o chão provocando ruídos de resmungantes queixumes...
Tudo ao redor era mata e,de repente,aquela casa!...
Telhados lavados de sol,janelas entreabertas e cortinas que seguiam os ventos. Varanda guarnecida de lambrequins, toda a extensão emaranhada em glicínias e arbustos de onde pendiam róseos cachos floridos; no portão,costumeiramente,algumas senhoras acenavam com delicadeza.O tempo acelerou os passos envelhecendo em paralelo:"Menino e casarão".
Vez e outra,ainda lhe ocorre cruzar por ali;e meio arredios,como se estivessem ousando furtivos encontros,entreolham-se. Então,um utópico cenário vai-se descortinando.O adulto de então,incorpora o menino de outrora,na tentativa do resgate das cores,do ruido da carroça,dos acenos que foram se perdendo nos trajetos da vida.Êle,o casarão,acalentando atrás das vidraças daquêle sótão,imagens ilusórias percorrendo a sacada. Perdidos olhares entretecidos nas teias de aranha,que um dia conheceram Evita,viram chegadas e partidas,e presos agora a uma desoladora espera,sacodem-se assustados pelas madrugadas nevoentas,aos apitos de comboios que vão imergindo das sombras,invisíveis e tresloucados,sem se dar conta daquelas janelas,daquela plataforma agora tomadas pelos fantasmas da lembrança,acenando em vão suas soledades a um trem impiedoso,insensível,que não mais costuma parar nas estações.
Joel Gomes  Teixeira