Mais convincente que Pilatos

O universo onírico do adolescente resume-se a mulheres e carros, e com as mesmas especificações: faróis incandescentes e traseiros customizados ao sonho de cada sonhador.

É tamanha a fixação que um dos sonhadores via como futuro ideal, uma casinha, uma linda mulher, e o filho ajudando ao pai a lavar o carro nos finais de semana.

Eu, quando adolescente, fazia parte daqueles que almejavam uma casinha, uma mulher e um carro, e meus sonhos paravam por aí, então eu acordava, muito antes de lavar o carro nos finais de semana, detesto lavar carros... me desperto antes.

Houve um caso, em minha vida, em que eu fiquei com o veículo por apenas uma temporada, e o carro, que doravante passarei a chamar apenas de “ele”, ficou uma temporada sem banho, tendo sido vendido sujo. Para os íntimos, sendo que eu era o único íntimo daquele aterro motorizado, o pobre era chamado de Andarilho.

Não pensem, por favor, que é por falta de asseio, nem era um conflito pessoal entre mim e “ele”, era algo muito mais profundo, era genético, sim, eu não nasci para lavar carros, simples assim.

Policiais já tocaram a campainha de minha casa, para perguntar se eu tinha conhecimento daquela sucata estacionada na rua, o que me feriu os brios, afinal “ele” não era uma sucata, não era nada reciclado, ou reciclável, era apenas algo que retornou ao pós, antes do momento de ao pó retornará, era novinho, mas coberto de pó.

É um pouco constrangedor, quando a menina, que nos acompanha no banco ao lado, passe o percurso todo com os braços levantados, como se temesse encostar, e se sujar, naquele meio de transporte.

Até a natureza já conspirou para que “ele” não fosse lavado, uma das revisões do Andarilho coincidiu com uma terrível estiagem, e o carro me foi devolvido devidamente revisado, mas com o pedido de desculpas por não ter sido lavado, a crise da água foi uma justificativa quase que louvável.

Dirigindo o “podrinho” num passado bem recente, percebi que a sujeira do para brisa impedia qualquer possibilidade de se ver à frente, isso fez com que eu o levasse a uma boa ducha, não sem antes dar-lhe uma vacina contra pneumonia, pois aquela máquina não estava familiarizada com o H20, que no caso em concreto é um eufemismo, para não aterrorizar o Andarilho, não afeito ao líquido,que para o resto do mundo se diz vital.

Além da visibilidade prejudicada pela sujeira, o que me levou a pagar uma ducha, foi quando uma mãe, excessivamente protetora, a quem eu dei carona, perguntou, ao fim do trajeto, se eu julgava necessário que ela levasse o filho para uma antitetânica, por nos ter acompanhado naquela curta viagem... sem dúvida, foi uma observação abusiva a dela.

Até biblicamente encontro respaldo em minha conduta, relativa à higiene que dispenso ao meu carro, na Sagrada Escritura vejo falar apenas em: lava pés e Pilatos lavando as mãos.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 22/07/2018
Reeditado em 22/07/2018
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