Aprendendo a viver sozinho!
Aprontei. Roubei. Furtei. Dei uma de esperto. Enganei àqueles que eram mais sagazes e inteligentes que eu. Perdi a confiança. Levei um pé na bunda, mas não perdi a vida. Preservaram-me. Não sei por que, mas estava vivo, vendo o sol raiar todos os dias, na Praça da Estação do Centro de Fortaleza, entre tantos iguais a mim. Uma pena não ter sequer um centavo no bolso. Levaram-me tudo, enquanto descansava. Fortaleza não é uma cidade acolhedora. Somos tratados como ratos e baratas. Nada diferente das outras metrópoles. Em São Paulo e Belo Horizonte era a mesma coisa. As pessoas estão muito ocupadas com seus problemas para pensarem no outros. Eu compreendo. Também só penso em mim. Fui tão egoísta e ganancioso que acredito ser esse o motivo de me encontrar nesta situação. Assim permaneço, entre calçadas e prédios abandonados, vivendo à mercê da esmola, do furto, do tráfico e dos sopões caridosos.
Contarei resumidamente minha história de quando cheguei à Fortaleza, a minha primeira noite. A calorosa recepção que tive. Quando aqui cheguei, expulso de São Paulo pelos traficantes os quais traí, pensei em frequentar uma igreja evangélica com o fim de buscar apoio para minhas necessidades diárias. Estava disposto a trabalhar em troca de comida e abrigo. No aeroporto de Fortaleza, às 18h, os dois pistoleiros da organização pagaram um táxi e disseram ao motorista: "leve-o até à Praça da Estação do Centro da cidade, próximo ao antigo Shopping Acaiaca. Deixe-o lá e depois volte aqui. Temos outra corrida para você". Ao chegar ao referido local, senti-me desolado e perdido. Procurei um local para sentar e pensar no que fazer. Após trinta minutos, o taxista retornou, chamou-me para dentro de seu veículo, afirmando que os dois rapazes o pagaram para que ele me levasse a um local próximo dali, um sobrado abandonado onde eu poderia dormir, comer tranquilamente, e ficar na companhia de pessoas maravilhosas que me ajudariam a conhecer a cidade e arranjar um emprego. Quando desci do carro, o taxista me disse: "espera, tenho um material para entregá-lo. tratava-se de um Kit com algumas roupas, sabonete, creme e escova dental, toalhas, um colchão inflável, travesseiro, 500 gramas de Crack puro, isqueiros, dez carteiras de cigarros, dez maricas e dois mil reais em espécie. Antes de sair o motorista deixou um aviso: "os garotos me disseram para lhe avisar que nunca mais entre em São Paulo, nem sonhando. Recomece sua vida aqui". E deu partida. Nunca mais o vi.
Avistei o abrigo. Era um prédio em plena decadência, ao lado de pequenos bares e cabarés , cercado de mendigos, moradores de rua, viciados e prostitutas. Entrei no sobrado e logo deparei com três rapazes limpando e raspando suas maricas na intenção de retirar a borra do crack que se impregna no material durante um longo período de uso. Saudei a todos com um boa noite e perguntei se poderia passar a noite com eles. Obtive como resposta que o local era de todos, não tinha dono, porém cada um tinha que respeitar o espaço do outro. Portanto, poderia ficar com eles desde que não causasse problemas. Indicaram-me um quarto. Agradeci. Eles saíram e me deixaram à vontade. Preparei minha cama inflável, guardei meus objetos na mochila e me deitei. Estava exausto e logo peguei no sono. Acordei por volta das 9h. Olhei ao meu redor e não via minha mochila. Furtaram meus pertences! Caí no choro e em desespero. Procurei as igrejas, entretanto não me aceitaram, nem para lamber o chão ou limpar as privadas. E aqui estou: vítima de mim mesmo e dos outros. Que Deus me ilumine e proteja meus passos!