MEMÓRIAS DA ANTIGA LATINIDADE - PARTE IV
2-SÁTIRA? (final) - O "Satyricon" de PETRÔNIO é "um relato cômico das aventuras de três jovens alegres, ENCÓLPIO/GITON/ASCILTO, sem tostão, astutos-malandros-amorais, o mais novo com 16 anos, estória contada por Encólpio, amante de Giton". Reflexão de Encólpio: "Meu Deus, como é dura a vida de um marginal, sempre à espera de um castigo." (Livro perdido na integridade, sobraram fragmentos, algumas aventuras de sobrevivência.) Gazeta das leituras de retórica, encontram-se num bordel, roubam no mercado, envolvem-se lascivamente com um sacerdote de Príapo (deus grego da fertilidade) e são convidados para banquete-ceia até o amanhecer em casa do vulgar milionário Trimalcião, episódio provavelmente em Putéolos (verdadeiro nome de uma cidade portuária); juntam-se a Eumolpo, filósofo dissoluto da Ásia Menor, que lhes conta uma estória cômica-revoltante, mostrando moral baixa igual à deles. Juntos, embarcam para Tarento e descobrem que fugiam do capitão do navio, correm risco de prisão, raspam cabeça e sobrancelhas, como escravos fugidos, transformação presenciada por um marinheiro doente, e são presos. Após uma boa surra, fazem as pazes e Eumolpo conta a estória da viúva de Éfeso, o navio é afundado, salvam-se e partem para Crotona, cidade casamenteira, Eumolpo se apresenta como milionário sem filhos, perdera uma fortuna no naufrágio, mas ainda possui ricas propriedades na África, saúde ruim, a cada 30 dias revê o testamento, sucesso entre ingênuos; recita um longo e brilhante pastiche (imitação) de poema de LUCANO sobre a guerra civil; seduzido pela atraente senhora Circe, súbito se torna impotente e precisa se submeter a bruxos e ao culto priápico; os caça-testamentos perguntam muito; má sorte e desgraças a caminho......... ----- O resto do livro se perdeu. Pastiches (imitações) de "Odisseia", Circe e Ciclope aparecem na obra; e Encólpio é uma troça de Ulisses e Príapo seu atormentador? Para o jovem, a vida não é ininterrupto carnaval fálico e sim uma série de perturbadoras frustrações. ----- Velocidade do livro: a cada episódio se sucede outro, estória jamais arrastada, não única sátira e sim sucessivas - insossa e vulgar a longa estória da ceia do rico e companheiros, homens e mulheres, paródia em vários pontos, inclusive Trimalcião sem ascendência (filhos), não preocupado com a morte e funeral à altura de seu padrão de vida -----Autor libertino, porém fino gosto, levado por NERO ao suicídio, ano 60 da era cristã, morte heróica sem pressa, cortou as veias, prendeu-as, cortou novamente, conversando com amigos que recitavam poemas vibrantes e versos leves, presenteou alguns escravos, mandou castigar outros, jantou, fez a sesta, escreveu uma relação minuciosa das perversões do imperador (nunca bajulações) e remeteu para NERO.
- - - - -
Comparando:
PETRÔNIO, pedestal de abastança, amor pelas fraquezas humanas; MARCIAL, espanhol, pobre, inferior social, todo desprezo; JUVENAL, ex-exilado, vinha do Lácio meridional, idem ibidem, todo ódio. ----- Alguns dos poucos epigramas de MARCIAL, menor intelecto e talento, sob o mecenato (patrocínio) imperial de DIOCLECIANO, são bonitos, elogiando um feliz matrimônio ou a vida simples do camponês, porém arestas contra os horrores do círculo romano: plagiadores literários, maus médicos, esposas sem atrativos e infiéis, caçadores de herança, mesquinhez dos ricos patrocinadores, aspectos grosseiros dos banhos públicos mistos... ----- O governo forte de DIOCLECIANO, de horrores, sensibilizou espíritos mais sensíveis, como de TÁCITO e JUVENAL, vivendo em dias mais felizes no tempo de TRAJANO (TÁCITO em alto cargo público); com certeza JUVENAL, e talvez TÁCITO, sob ADRIANO, amigo da literatura - entretanto, nenhum dos dois 'esqueceu' DIOCLECIANO, lição de desespero, tirania dos governantes e servilismo dos súditos. ----- Para JUVENAL, a vida social e o clímax do processo imperial eram vis e desprezíveis em todos os aspectos; TÁCITO tinha preparo em retórica, mestre de brilhante e implacável epigrama, idêntica opinião. ----- JUVENAL, pobre no início da vida, detestava a avareza e lapidadores de riquezas, odiava estrangeiros (gregos, assírios e sobretudo egípcios) e por ele terminariam as imigrações - nas Sátiras II e IX, homossexualidade no pelourinho / na VII, deplora não se ganhar dinheiro com o que se escreve - não esquece os eternos satirizados romanos: caçadores de herança e arrogantes protetores que humilham clientes / na III, Roma, procissão de horrores, estrangeiros, más condições de habitação, roubos, assassínios, barulho, incêndio e intoleráveis condições de tráfego / na VI (casado, ele?), lista de desastres: esposa fugindo com gladiador ou virando cortesã como MESSALINA, esposa do imperador CLÁUDIO; mulher rica e de cultura logo viraria o homem da casa ou seguisse o seu próprio caminho ou mulher religiosa ou extravagante ou musicista ou pública em potencial ou de forte personalidade ou de sangue azul, marido agradável; ruim, vida infeliz, casar com mulher cruel a criados ou supersticiosa e dedicada à astrologia ou que se recusa-se a ter filhos ou não perdoasse os 'pecadilhos' do marido. ----- JUVENAL publicou as primeiras sátiras na meia-idade, embora tenha dado recitais muitos anos antes da morte de DIOCLECIANO - envelhecia sem abrandar desprezo e virulência - na Sátira X, crítica feroz a aspirações humanas para si e filhos: "Fique rico, será envenenado; obtenha poder, será derrubado; conquiste posição, morrerá miserável como DEMÓSTENES e CÍCERO; busque honras militares, prove a derrota como ANÍBAL e XERXES; reze por longa vida, suporte as mazelas da velhice; ore pela glória, morrerá inglório como MÁRIO e POMPEU; reze para ter boa aparência, morrerá como SÍLIO, por quem MESSALINA se apaixonou" / na XIII, espírito mais gentil e construtivo, elogia amigo conformado que perdeu pequea soma de dinheiro depositado com amigo desonesto -com o tempo, o crime vira hábito, punição a caminho por delito mais grave / na XIV, nobreza e bom senso no ataque à cegueira dos pais quando filhos lhes imitam corrupção - filho casa com rica herdeira e a estrangula. ----- JUVENAL não causou impacto sobre contemporâneos; mais tarde, os intelectuais cristãos voltaram atenção sobre ele e os graves pecados da Roma pagã. ----- Ao fim do século IV, romanos liam JUVENAL; no século II da era cristã, a língua grega apareceu no Oriente - romance picaresco "Asno de ouro", de APULEIO, um africano, é inteiramente grego, embora escrito em latim, tema desenvolvido em Tessália, base numa perdida coleção das divertidas "Estorias milesianas", de PETRÔNIO: lado a lado com "Decameron". "Asno de ouro" é ironia sutil e espirituosa, trechos mais divertidos entre deuses e homens, herdado por ANATOLE FRANCE no século XIX / novo alento ao fim do século XVII e início do XVIII da era cristã, sátira aplicada às mazelas de uma cidade grande.
- - - - -
"A CEIA DE TRIMALCIÃO", texto mais estudado em SATYRICON, escrito aproximadamente no ano 60 d. C., de PETRÔNIO (Petronius Arbiter, considerado por TÁCITO /político e historiador romano, nascido no ano 55/ como Tito Petrônio Árbitro, o Arbiter elegantiae) - caricatura e sátira - protagonista é um liberto novo rico, nascidoescravo - tempo de NERO e epicurista (doutrina dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e lbertação do medo), quando todos os demais autores eram estoicistas (extirpação das paixões e aceitação do destino) / "Corticillum", confidências ou crítica a alguém, testamento usado na época: talvez o SATYRICON, mas pouco provável / TÁCITO fez apenas o retrato moral, não o físico nem o profissional de seus comentados - casa de TRIMALCIÃO, riqueza e mau gosto: festas exóticas e extravagantes, alta de humanização.
-----------------------------------------------------------
LEIAM meus trabalhos "Cícero, grande orador - no tempo e no espaço", "Itália pré-românica", "Latinidade (ou latina idade?)" e "Memórias da antiga latinidade".
NOTAS DO AUTOR:
SATYRICON - Filme italiano, 1969 - diretor FEDERICO FELLINI - Roma imoral e decadente. // Programa humorístico, 1973/1975, TV Globo - sátira à comunicação em geral e paródia do comportamento humano, desde a idade da pedra.
FONTE:
Um velho caderno universitário - disciplina Latim // "o mundo romano", org. Balsdon - cap. XIII - Humor e sátira.
F I M