MAIS UM ANO SE PASSOU
A noite mostrou seus primeiros sinais quando já havia passado às 20 horas, logicamente em épocas de horário de verão o dia fica mais longo e custa mais a escurecer.
Eu e patrícia estávamos sentados no pergolado que fica em frente e à esquerda de nossa casa, onde antes era uma janela grande que transformamos em porta da frente. Riamos sempre que lembrávamos de nosso estranho hábito de estar sempre criando novos ambientes pela casa. Eu dizia que parecia casa de marimbondo sempre sendo aumentada para os lados. Ela ria. Nunca era diferente.
Acontecia desta forma: Planejávamos fazer uma nova área, algum tempo depois achávamos por bem cobri-la e, mais alguns meses fechávamos com parede e janela tornando-se mais uma peça da casa. Uma nova sala de tv, um quartinho para se ouvir música, lugar para um fogão a lenha para fazermos pinhão e milho verde nos dias frios de inverno.
Ela me olha, sorri de forma discreta e diz - mais um ano juntos. Eu respondo que sim com a cabeça e agradeço a Deus por ser sempre desta forma. Mais um réveillon que chega, em algumas horas começa o foguetório, agora sem barulho, exigência para a saúde auditiva dos cães.
Este ano resolvemos ficar por casa, passar o ano novo sozinhos. Somente eu e ela. Como o tempo passou rápido demais.
Anos atrás quando recebemos a notícia de minha doença, o chão sumiu de nossos pés. Sofríamos escondidos disfarçando os sentimentos como forma de poupar um ao outro. Uma sensação de derrota tomou conta da casa e um silêncio carregado de melancolia e temor passou a ser comum quando ficávamos juntos.
O futuro tinha se tornado algo distante e indefinido. Confuso. Para mim que sempre preferi a rotina e avesso a incerteza, que gostava de saber antecipadamente das coisas que iria fazer a doença confundiu-me de forma demasiadamente forte. Perdemos o norte.
Iniciava-se um mundo desconhecido para nossa família.
Corre pra cá, corre pra lá. Consulta um médico aqui, vai em outro acolá, Faz exame, tira sangue, faz outro exame.
Foi um período duro, de angustias e sofrimentos. Nunca me revoltei ou cheguei a acreditar que seria o fim. Passado o choque inicial, percebi que era menos grave do que aparentava ser, e que eu éramos mais forte do que imaginávamos. Surgiu em nós todos uma serenidade e confiança que até então desconhecíamos.
Encerrado o tratamento, alguns meses para voltar a forma antiga, a saúde voltara com vontade, o ânimo recobrou as forças, a rotina de nossa casa havia retornado. Tudo aquilo tornou-se lembranças do passado.
Ela levanta-se caminha até a cozinha para ver o pudim que estava fazendo para a noite. Pedi para não esquecer de colocar a garrafa de champanhe na geladeira.
Ela pára em frente as fotografias na parede, olha para as fotos das crianças, das meninas hoje mulheres, as fotos dos seus pais e percebe que o tempo passou de forma feliz, num átimo de segundo ela revive tudo por que passamos, quase trinta anos de convivência mutua numa cumplicidade sem igual. Olha ao redor de si mesma e observa casa, testemunha ocular de tudo que se viveu.
Uma lágrima cai de seus olhos e ela chora, mas de alegria, da felicidade silenciosa que preenche nossos corações em todos os momentos de nossa vida. Dos mais tristes aos mais felizes. Hoje são só lembranças e aprendizado.
Em algumas horas começa mais um ano. E mais uma vez estamos preparados para vivê-lo como sempre vivemos. Intensamente.