Noite de Inverno em Curitiba
Da janela do oitavo andar olho fixamente o vai e vem das pessoas na Travessa Nestor de Castro. Povoam as casinhas dos pontos de ônibus do outro lado da rua. Fazem filas imensas à espera do coletivo que as levará de volta ao calor e aconchego do lar em algum lugar no lado Oeste da cidade, pois é dali que partem os ônibus que vão para o São Braz, Santo Inácio e Santa Felicidade o bairro italiano, famoso por seus restaurantes.
Alguns conversam uns com os outros, talvez sobre o tempo, talvez sobre o trabalho, a maioria, porém, permanece em silêncio, quase imóveis como se fossem estátuas. Cabelos e roupas drapejando ao vento. Espectadores do rio chamado tráfego com seus faróis de luzes brancas e lanternas traseiras vermelhas que fazem a via lembrar uma grande artéria entranhada bem no centro da cidade.
Estudantes passam encolhendo-se dentro de suas jaquetas. É fácil identificá-los estão sempre apressados, sempre atrasados.
Daqui a algumas horas isto vai virar um deserto, penso. É outra característica do inverno. Ele condiciona as pessoas aos ambientes fechados. A vida deixa de acontecer lá fora. Ao ar livre. As pessoas se concentram em shoppings, restaurantes e cafés, ou simplesmente ficam em casa, ou onde quer que a temperatura seja amena e o vento não açoite os seus rostos.
No inverno os sons são abafados. As conversas sussurradas. Os dias tendem a ser mais escuros. A noite cai mais cedo. As luzes dos postes perdem o brilho. As pessoas se calam. Encolhem-se. Mergulham em si mesmas como se buscassem na própria alma a essência de algo que se perdeu há muito tempo.
Curiosamente no aparador atrás de mim, o rádio toca os acordes finais de California Dreaming, sucesso de 1966 do The Papas and the Mamas antes da entrada de o Guaraní de Carlos Gomes anunciar que a Voz do Brasil vai invadir o meu pequeno apartamento.
De repente me da uma vontade imensa de sair. Procurar um café qualquer na praça Tiradentes ou imediações. Me misturar à vida que pulula nestes ambientes. Captar uma conversa animada em uma das mesas que me ladeiam. Descolar um belo sorriso de uma atendente. Enfim, sorver a vida antes que cheguem as horas mortas em que o peso esmagador do silêncio só é cortado pelos tics e tacs do velho relógio de parede.
Até que a primavera chegue, como diz a canção, poderão certamente haver sonhos californianos, as folhas, porém, continuarão marrons, e o céu cinza e não há o que se possa fazer. Caminhar nos frios dias de inverno só mesmo pelo prazer de um bom café, num ambiente quentinho e aconchegante.