ERA A MINHA IDEIA
Era a minha ideia. . . Essa resposta de um comentário que fiz a Seu Juca me impressionou pela sua lucidez apesar do estado em que se encontrava.
Seu Juca era o marido de Dona Bega a 44 anos, os últimos 10 passou numa cama entrevado após um derrame que paralisou todo seu lado direito, atrapalhando inclusive a fala o que lhe permitia falar apenas “oba” a qualquer manifestação que fazíamos a ele.
Antes do derrame ele só saia da cama para as refeições e mesmo assim contrariado devido a dificuldade para caminhar. A cama lhe dava mais segurança e conforto, não queria sair mais dela.
Não era feliz naquela situação, mas sua resignação era tamanha que permanecia deitado como se ali fosse o melhor lugar do mundo para estar. Enfim era um homem conformado com o que Deus lhe reservará.
Assim o tempo passava para o seu Juca. Morosamente, com dias intermináveis. Tanto tempo ali ficou que acabou por integrar-se a casa tornando-se uma de suas peças após 38 anos morando embaixo do mesmo teto.
Sempre que fazíamos visitas a ele o Augusto e a Valentina corriam até seu quarto para abraça-lo ternamente e dar um beijo carinhoso em sua testa. Quando gritavam “Oi tio Jucaaaa” aguardavam a resposta dissílaba e engraçada que ele sempre dava:”
- Obaaaa”
Comentávamos sempre eu e ele sobre nossa saúde, ele queixava-se algumas vezes da situação que se encontrava eu por outro lado lhe dizia que ele era um homem de muito valor apesar dos pesares e para tirar sua atenção da doença perguntava-lhe como era a Laguna na época de sua juventude.
Ele prestava atenção no que eu falava e seus olhos brilhavam ao lembrar dos bons tempos que viveu.
Dos bailes de carnaval do Blondin e do Congresso que iam ele e Bega com seu Otávio funcionário da Coletoria Estadual e dona Iara sua elegante esposa. Dos churrascos que fazia aos domingos para os amigos inseparáveis Dr. Márcio Rodrigues, dentista afamado da época e sua esposa Gracinha e Seu Cláudio Ramos então gerente do Banco do Brasil e dona Sissi, lá pelo início dos anos 70.
Seus olhos brilhavam ainda mais quando comentávamos sobre seus tempos áureos de apreciador de um bom whisky, visto ter sido um homem de má bebida, provocando sempre preocupação e desassossego na Beguinha. Nada de mais que não pudesse ser contido com uns cutucões, que na época era a ferramenta mais persuasiva de que dona Bega poderia se utilizar.
Passávamos alguns momentos descontraídos, onde esquecíamos a mazelas da vida.
Ele levantava-se da cama saudável, sem limitações físicas e rodopiava ligeiro como a bruma pela velha Laguna de suas lembranças. Voltava por breves segundos o jovem José Carlos, o sóbrio e austero dono da famosa Livraria Santa Catarina, a Livraria do Juca. Desfilando com seu terno de linho branco e camisa de listras azuis de colarinho bem engomado e a gravata de seda chinesa, abalando corações solitários aos quais não demonstrava nenhum interesse visto que o seu já tinha dono.
Naquelas horas da tarde ele era o soberano, o maior dos maiores. A lembrança dos bons momentos lhe fazia esquecer o estado que se encontrava.
Foi numa destas conversas que comentei com ele, quando ainda conseguia falar, que eu nunca tive doença alguma em minha vida. O que mais me incomodava em termos de saúde era uma azia irritante que me perseguiu por longos anos, mas que a muito tinha desaparecido.
Falei a ele que pela saúde que tinha acreditava que minha morte seria rápida e serena.
- Seu Juca – disse a ele - eu acho que quando chegar minha hora eu vou cair duro no meio da rua.
Ele arregalou seus olhos e me disse:
- Era a minha ideia.
Ele, assim como eu, queria, como diz o proverbio árabe, ter uma vida longa e uma morte rápida.
É seu Juquinha nossos desejos não estão escritos no mesmo livro das nossas obrigações.
Não recebemos aquilo que gostaríamos, como é certo quando se fala que Deus nos dá, não o que gostaríamos de ter, mas o que necessariamente precisamos.
O melhor que temos a fazer é deixar que a vida faça suas escolhas, restando a cada um de nós vive-las da melhor maneira possível.
Essa é a ideia.