Esse texto (não) é sobre nós

Nossa vida não tem árbitro de vídeo, e talvez por isso eu nunca sei qual de nós dois estava certo ou errado. Sei apenas que houve falta. Mas, quer saber? Estamos aqui. Ao contrário da Vitória Gabrielly que saiu de casa para andar de patins e foi morta por engano como cobrança de tráfico. Ao contrário do Marcus Vinicius que morreu com uma bala perdida enquanto ia para a escola.

Estamos aqui para acompanhar os bravos javalis selvagens saírem da caverna, ver o Brasil ser eliminado pela Bélgica – eu em particular para ver minha sobrinha de seis anos se emocionar com esporte pela primeira vez – e a chegada inédita da Croácia na final da copa do mundo.

Porque o esporte não tem culpa. Assim como a vida não tem árbitro de vídeo. Eu sei que devemos sempre problematizar o futebol-negócio, a FIFA e todos os valores medíocres de uma gente que se orgulha mais dos que tem carro de marca e paga 300 reais num uniforme oficial da seleção, enquanto aquele escrito fielmente a caneta na camisa amarela tem muito mais verdade. Há uma tecnologia incrível e renovadora melhor que o VAR que costumo chamar de “o outro”.

Talvez nós, menos que o Trump, o Neymar e tantas pessoas, tenhamos falhado nessa parte.

Mas ver aquele time todo saindo da caverna também foi vitória. Se pensarmos nos outros pequenos que foram separados das suas famílias e toda a questão migratória, aquilo foi melhor que o hexa. E olha que eu até me envolvo com esse circo da FIFA e me sinto feliz no auto-abandono do sofá durante a disputa esportiva. Mas aquela caverna, meu amor, era carne viva.

A propósito, acabei de consultar o meu árbitro de vídeo - que às vezes costumo chamar de consciência - e sabe o que ele disse? Pra nós dois? E pro esporte? E para os Javalis?

Podem seguir em frente, não foi falta. Sigam em frente, mas não se esqueçam de quem não pode mais seguir, como a Vitória e Marcos Vinícius. É assim que vou, já que ainda ontem eu é que saía de uma das minhas cavernas internas. Um olho no esporte que salva, e outro aqui no meu bairro, nas minhas crianças, em mim... nem que pra isso a gente rabisque nossos nomes com caneta numa camisa sem marca pra gritar o valor certo, que é simplesmente se importar com o outro.

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Textos De Quinta - um a cada quinta (ou não)

Não é promessa, é só desejo.

Dialogando com a Maria

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 12/07/2018
Código do texto: T6388473
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