O Homem Cordial Se Foi

Outro dia estava na recepção de uma empresa e ouvi por um rádio comunicador que estava sobre o balcão o aviso de que havia um veículo com problemas bloqueando um portão. Como a sala do chefe da portaria era conjugada ao ambiente da recepção foi possível ouvir suas orientações para a retirada do veículo. A conversa prossegue até o ponto do chefe incisivamente dizer que bloquear entrada de empresa pode dar reboque.

E neste exato momento minha memória levou-me a um artigo do jornalista Bernardo Ricupero intitulado “O Homem Cordial e a Tortura”. O estudo do texto suscita vários pontos de reflexão, contudo me deterei na parte que é mencionado a tese do historiador Sérgio Buarque de Holanda sobre “O Homem Cordial”. No texto em questão, lê-se a explicação da etimologia da palavra “cordial”, a qual está relacionada com “aquilo que vem do coração”.

Com o passar do tempo nós, os falantes da língua, associamos esta palavra muito mais ao que é cortês, polido e bem educado esquecendo-nos da totalidade de sua semântica, afinal do coração podem vir tanto o bem quanto o mal. Em outro texto, que aborda o mesmo assunto, “O jeitinho do homem cordial”, este do jornalista Oscar Pilagallo, é possível encontrar mais um detalhe relativo a este personagem. É o que diz respeito à maneira como ele vê a privacidade e a publicidade das coisas.

Antes, porém, quero esclarecer que a conotação dada aqui à palavra publicidade não é a de exposição e propaganda, embora venham da mesma raiz etimológica e estejam relacionadas o seu sentido é outro. Este, diz respeito a tudo que vem a ser de todos, aquilo que é público ou coletivo. Esse “jeitinho”, ao qual o jornalista se refere, talvez esteja ligado à ocorrência de alguma “falha de formação” peculiar do brasileiro materializado na célebre “Lei de Gérson”, em que levar vantagem em tudo é a regra a ser seguida.

Esta contingência sociológica faz com que o brasileiro (acredito haver exceções) não perceba, ou não se preocupe em observar, aqui no sentido de cumprir fielmente, os limites dos universos privado e público, os quais passam a ser como se fossem um, no caso o privado. Neste comportamento, características e hábitos questionáveis se mostram sem o menor pudor, dissimulação ou censura.

Perguntado sobre qual seria a maior dificuldade que enfrentou durante o seu governo o ex-presidente João Figueiredo disse que era lidar com as pessoas “aqui de fora”. No quartel falava-se de Brasil o dia inteiro, mas do lado de fora era diferente. Disse também que uma vez ouviu de um político, o qual fora questionado sobre a situação do Brasil, que lhe respondeu: “O Brasil...? Ora, senhor presidente...!”. Refletindo com isto, a institucionalização da prevalência do universo privado sobre o público, em que este deve servir àquele naquilo que quiser.

No artigo “Você elegeu este homem presidente do Brasil várias vezes, e nem sabia!” do jornalista Rogério Waldrigues Galindo que fala sobre a atuação de Marcelo Odebrecht dentro das esferas pública e política brasileiras é observada a impossibilidade de se respeitar os limites dos ambientes público e privado ao comentar como era consolidado e atendidos os interesses particulares de e por agentes públicos. E parafraseando o deputado Justo Veríssimo (personagem criado pelo saudoso Chico Anísio), “muitos querem é se arrumar, o resto que se exploda!” Burrice, quando a coisa explode, tudo vira pó e para todo mundo.

Quinho Barreto
Enviado por Quinho Barreto em 12/07/2018
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