O cachorro e o policial (e no meio um mendigo)

Como é que ele havia entrado ali? O cachorro andava por baixo das mesas no restaurante. Quando cheguei ele já estava ali e um policial usava as mãos e algumas imprecações para tentar conduzir o animal para fora. O cachorro, no entanto, não está sujeito ao código de posturas do município, de maneira que decidiu ignorar, solenemente, a autoridade policial. Entre um policial e um cachorro, eu naturalmente me inclino para o cachorro. Ao diabo com questões sanitárias. O cachorro continuava dando olé quando surgiu um importante personagem: o seu dono. Era um mendigo, logo se via. Estava mal vestido e trazia consigo uma trouxa. Havia acabado de se servir e já se dirigia para a sua mesa quando percebeu o que se passava: estavam tentando expulsar o seu cachorro!

Como tal medida lhe parecesse inaceitável, ele protestou energicamente. O policial então se deu conta da sua existência e, desistindo de perseguir o cachorro, resolveu passar a perseguir o mendigo. Foi até ele e ordenou que desse um sumiço no cachorro, que o tirasse do restaurante, que aquilo ali não era lugar de cachorro, onde é que já se viu? Com isso, o policial esperava que o mendigo abaixasse a cabeça e, humilhado, largasse o seu prato de comida sobre a mesa, chamasse o seu cachorro, se arrancasse dali com ele e fosse para um lugar bem distante da vista de todo mundo, onde não incomodasse ninguém.

Mas acontece alguma coisa com os mendigos que os impede de assim proceder. Não foi diferente com aquele ali, que tentou argumentar falando em certos direitos que possuía. O policial achou muito engraçado que um vagabundo como aquele achasse que podia ter diretos de alguma espécie. E elevou o tom de voz, como fazem todas as pessoas que não conseguem resolver o conflito no campo das ideias. O diabo é que o mendigo também sabia gritar, e em pouco tempo estavam os dois berrando, enquanto as demais pessoas ali comiam estrogonofe de frango.

O policial, bem sabemos, é um tipo que pode usar a violência para atingir os seus fins, mas aquele ali hesitava em aplicar semelhantes métodos, e não tanto porque tivesse escrúpulos de consciência, mas porque uma briga física fatalmente iria atingir quem estava comendo ali do lado. O policial está sempre preocupado com a integridade das pessoas que estão ao lado, notadamente quando não são mendigos.

Mas não se diga que o dono do cachorro não tentou uma solução amigável. Ele se dispôs a sair e levar o seu cachorro para fora do restaurante, desde que pudesse levar também a sua comida. Ele havia pagado por aquela refeição e queria comê-la ao lado do cachorro. O policial disse que ninguém sairia dali levando prato do restaurante. Havia uma louvável preocupação do policial com a segurança dos pratos do restaurante. A ele não importava que o mendigo perdesse a sua refeição, contanto que saísse dali com o seu maldito cachorro. Provavelmente se tratava de um policial cristão, que vai à igreja, que ora e que espera ir para o céu depois de morrer. Mas não se pode aplicar o cristianismo quando se é um policial.

Depois de muitas ameaças daqui, resmungos dali, o mendigo foi se encaminhando para a saída, no que foi acompanhado pelo seu fiel animal. Ainda ficou um tempo na porta discutindo, até que saiu de lá, sem almoçar naquele dia. O policial permaneceu um tempo parado na porta, aparentemente para se certificar de que mais ninguém entraria ali trazendo um cachorro. Até que, finalmente, ele foi embora, permitindo que almoçássemos com sossego.

Como é que ele havia entrado ali?

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 11/07/2018
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