O leite da solidariedade

Leila esta olhando pela janela de seu apartamento de luxo e chorando desesperadamente com seu bebê nos braços. Ela não tem leite materno, já tentou de tudo e o menino nada aceita. O neném esta doente e definhando a cada dia. Ao pegar o lenço para enxugar suas lágrimas, sua atenção é atraída para a bizarra paisagem de uma favela. Ela para de chorar por um instante e dá se conta de que nunca tinha reparado na favela que existia não muito distante do seu condomínio. De repente, ela começa a deslumbrar uma luzinha brilhando no fim do túnel. Deita devagarinho seu bebê na cama e o beija. Dá um salto e se desvencilha de seus delicados e finos chinelos de quarto. Procura por seu velho par de tenis, põe uma calça jeans e uma camiseta discreta. Abre o armário em busca da mochila de acampar do ex-namorado e achando-a, despeja a fruteira da sala com todas suas frutas para dentro dela. Abre a geladeira e vai garimpando na procura de iogurtes queijos, verduras, legumes. Coloca tudo na mochila e volta para o quarto. De um só golpe, prende seus longos e negros cabelos num elástico, encaixa seus óculos escuros e põe a mochila nas costas. Toma o menino nos braços, sua bolsa, a bolsa do bebê e sai toda carregada, ansiosa e ofegante para o elevador. Carrega consigo todo o seu mundo de mãe. Caminha até a favela e ao entrar pelas vielas despede-se de seus pudores de moça fina e educada e começa a gritar para as pessoas que encontra “Alguém aí esta amamentando?” “A senhora conhece alguém que esteja amamentando?” E assim prossegue caminhando e perguntando com toda aquela carga nas costas e nos braços. Sua baixa estatura, seu corpo franzino e o desamparo de seu companheiro não são empecilhos para tentar salvar seu filho. A força de seu amor de mãe impulsiona-a para cima e para frente. Ela caminha, caminha e seus braços latejam pelo peso e pelo esforço contínuos. Até que chegando na soleira de uma porta, uma criança, uma menina que brincava com outras crianças disse: “Moça!” “Moça! “A minha mãe!!” “Ela chama Juliana e esta dando de mamar para o meu irmãozinho que nasceu!” Leila encontra Juliana e fala de sua angustia. Elas se abraçam e choram emocionadas. Juliana é faxineira e já tinha quatro filhos quando Eduardo, o quinto, nasceu. Leila, então, decide proporcionar uma rica alimentação para Juliana e leva o Pedrinho todos os dias para ela amamentar, ou traz o leite tirado com a bombinha. Elas ficaram amigas, o menino se salvou e hoje ele é médico e já tem mais de 30 anos. Eduardo infelizmente faleceu ainda menino empinando uma pipa perto da rede elétrica. As classes sociais se unificam pela vida, pelo leite e pela maternidade. Amém!(Walter Sasso)(Autor dos livros "Sem Denise" e "Dobra Púrpura" - Amazon)