AÍ VOCÊ ACORDA!

Aí você acorda! Acordou mais cedo do que de costume, acordou. Seus olhos percebem a claridade de mais um dia e se pergunta: Porque acordei agora? Ainda não era a hora de acordar. Não precisava, já não trabalha mais para acordar tão cedo. Não precisa correr para tomar café, ir pegar uma condução para ir para o trabalho, já não trabalha mais, não por que não precise, mas por que a idade já não permite ou não permitem que você trabalhe, para muitos, está velho.

Mas não está tão velho para ir à padaria, comprar pão e se tiver um cachorro, leva-lo para fazer suas necessidades. E se não é um cachorro é um gato, que começa a se esfregar em suas pernas e você sabe exatamente o que ele quer já se acostumou com isso, ele quer que coloque comida em sua tigela de ração.

Não importa você já acordou. E de repente em sua mente surgem mil pensamentos, momentos, sentimentos, tristeza, saudade, sim, saudade de tempos passados. De momentos lembrados, do que já passou. Em sua mente vem uma canção, muito antiga:

Eu daria tudo que tivesse

Prá voltar aos tempos de criança

Sua mente vagueia por momentos em que não havia preocupações, ilusões, sonhos... Havia apenas o momento, precisava acordar lavar o rosto, tomar banho. E, ao chegar à cozinha, o leite já estava quente sobre a mesa, o pão cortado, a margarina ou a manteiga já estava no pãozinho, quentinho. E aquela voz que dizia, vamos você precisa ir para a escola. Há aquela voz! Voz inesquecível da única mulher que com certeza lhe ama, lhe amou e, segundo muitos acreditam, ainda se preocupa com você. Quantas vezes ela não disse; não faça isso não faça aquilo, pense no futuro.

Futuro! Futuro agora é algo no passado, escondido, malvado, perdido. Futuro! Que futuro?

Existe apenas o hoje! E qual é o hoje neste momento?

Então você se olha no espelho, existem marcas no rosto, existem rugas, existem cabelos brancos que teimam em ficar mais brancos ainda, nada que uma tinta não resolva, mesmo ficando superficial, irreal, nada verdadeiro. Mas este é o seu hoje!

Então olhando para o presente, você descobre que está só. É só você, não tem cachorro para levar para fazer as necessidades, não tem gato para colocar ração na tigela, não tem nem alguém na mesma cama que você.

Nestes momentos as lembranças vem como um trem expresso ou um avião supersônico. Hoje, amanhã, ontem, agora? Tudo se mistura de forma rápida.

Seu café não vai estar na mesa, você vai ter que fazer, vai ter que comer aquele pão que comprou ontem, pois pela manhã não tem quem iria comprar na padaria. Aliás, por falar em ir comprar, lembramos que no dia anterior ao atravessar a rua, seu cérebro dizia, vai que dá, mas seu corpo já não respondia ao comando do cérebro, aquele carro quase te pegou, será que você calculou mal a distância ou suas pernas não tem a mesma capacidade de antes. Antes! Ai você acorda! Lembra outra canção, e, como se ouvisse a voz de Elis Regina aparece aquele pedaço, “nada será como antes”. Sim, nada mais é como antes.

É curioso como nossa mente nos leva a lembranças musicais, e lembramo-nos de determinados momentos da vida, lembrando-se de canções. Sua mente leva você a pensar e lembrar: “de um certo compositor baiano que dizia, tudo é divino, tudo é maravilhoso” Maravilhoso! Acho que no presente momento a única coisa maravilhosa na vida é a Mulher Maravilha, não aquela do passado que tinha olhos lindos e se chamava Linda Carter, mas a atual, também muito linda, mas que se chama Gal. Lembra-se da Gal? Estou falando da Costa, Gal Costa, não era ela que cantava “Baby, você precisa aprender inglês, precisa aprender o que eu sei, e o que não sei mais”.

Você nem aprendeu inglês, nem o que ela não sabia mais, aliás, usando este termo tão antigo, aliás, o que você aprendeu? Quem está com você? Onde estão aqueles que deveriam estar Onde você está que não está com eles? Algo foi perdido, algo foi deixado de lado.

E agora? Como cantaria Noite Ilustrada? “Tudo acabado e nada mais”

Será que tudo está mesmo acabado? Será que você precisa acabar assim, sozinho? De novo, aliás, por que está sozinho? A solidão muitas vezes é uma opção a qual nos mesmos escolhemos outras, por que fomos deixados de lado. Mas será que fui tão imprestável assim para que fosse deixado de lado?

Será? Será que se minha mãe fosse viva eu estaria abandonado, sem ter ninguém com quem conversar pela manhã, planejar o dia, falar sobre os sonhos que a noite trouxe?

Mãe. Eita nomezinho maravilhoso, a única mulher que realmente nos amou verdadeiramente. Ainda lembra-se do sorriso dela, do jeito de olhar, da maneira como arrumava a lancheira de plástico a mesma lancheira que, em um momento de raiva jogou no chão por que ela não deixou você ir jogar bola com os colegas, por que estava chovendo e você havia tossido durante a noite. A mesma tosse que te deixou de cama, que deu febre e que, naqueles momentos você só sabia chorar e dizer, mãe. E lá vinha ela, sem dizer nada apenas o olhar dizia: O que foi, bebê? Para ela, e somente para ela, você sempre seria o seu bebê.

Mas, deixando esta saudade de lado, estas lembranças gostosas, porém doloridas, estamos vivendo o hoje. Estamos vivendo o agora e surge a pergunta: E agora?

O que me mostra o futuro, solidão? Tristeza? Lembranças do que eu não fiz e não do que eu fiz? Saudades?

Será que sou um velho chato? Aliás, o que é um velho chato? Quantas vezes não se lembra de achar seu pai um chato, só por que ele queria falar dos tempos de Getúlio Vargas, de JK, de Allende, Salazar, queria apenas conversar e falar das suas lembranças. E hoje, como você gostaria de falar com alguém do antigamente. Etcha palavrinha doída, antigamente.

Lembro-me de um personagem de Paulo Silvino que dizia: Como era bom! É, antigamente. Lembro-me que uma mulher podia amamentar seu filho em público sem ser atacada por algum tarado. Voltando ao, aliás, quando pensávamos em algo contra uma mulher, lembrávamos que tínhamos mãe, irmã, tias. Havia respeito!

Hoje vejo os filhos que tratam suas mães como se fossem empregadas. É claro que, muitas delas parecem fazer este papel, tratam os filhos como se fossem seus patrões. Arruma as camas deles, diz onde está o tênis, o chinelo, pois eles nunca acham nada. Aliás de novo, a única coisa que os jovens de hoje acham são o zap zap e o fuçobuco.

Ainda lembro que, quando fazíamos uma nova amizade, tínhamos que passar pelo crivo da mãe, do pai, do irmão, da irmã. Se não aprovassem, não tinha jeito, a amizade ia para o espaço.

Etcha saudades! Tem dia que amanhecemos assim, cheios de lembranças, cheios de falta de esperança, cheios de estar cheios de ficar cheios.

Onde estão os filhos? Cadê os netos, os cachorros, os gatos, o papagaio, o periquito?

Há, quantas vezes achamos ruim aquele barulho de conversa dentro de casa quando esta se enchia nos fins de semana. Macarrão com frango aos domingos, sempre, se me lembro bem.

Aí você acorda! Hoje, você vai ter que fazer o café, esquentar aquele pão com manteiga sem aquele pedaço de queijo que sua mãe fazia naquela sanduicheira manual que era levada ao fogo do fogão para derreter o queijo. Hoje você vai acender um cigarro depois e vai vir aquela tosse. A mesma tosse que sua mãe gritava: Para de fumar! Ou vai lembrar-se daquela dor de cabeça por que na noite anterior havia bebido e havia acordado com aquele gosto de sandália de couro usada na boca, como dizia sua mãe. Vai lembrar-se do chá de carqueja que ela fazia e que, milagrosamente, fazia você se sentir melhor.

Já estava pronto para ir trabalhar, enfrentar mais um dia, aguentar as gozações dos colegas, pois, no dia anterior seu time havia perdido. Nem isso tem mais, as gozações dos colegas de trabalho por que, aliás, não tem trabalho mais para quem envelhece. E como você gostaria de pegar aquele ônibus lotado, apertado, com a marmitinha na mochila, aquela marmitinha que sua mãe tinha preparado com tanto carinho.

Não tem mais ônibus para pegar, tem aquelas contas em cima da mesa, luz, água, telefone, contas apenas.

Fugindo? Esta não é minha realidade ou não é a realidade que eu gostaria que fosse. Ainda lembra-se da sua filhinha que pequena dizia que não iria casar, ficaria com os pais até eles ficarem velhinhos. Não era o mesmo que pensávamos quando éramos crianças? Os pais, como gostaríamos que eles fossem eternos. Mas, ao lembrar-se de minha mãe deitada naquele caixão, lembro que a eternidade só existe para Deus. Tudo é finito, tudo acaba até mesmo aqueles momentos de alegria que já vivi. Ai você lembra uma canção do Roberto, “estou fugindo do passado, do meu mundo assombrado, de tristeza, de incerteza”. A diferença é que você não está dirigindo a 120, 140 por hora.

Ai você acorda! E só lhe resta o hoje, o agora. Tem como mudar? Sim, é claro que tem! Ainda existem irmãos, sobrinhos, tios, filhos, netos. Por que não ir vê-los de vez em quando. Aguentar aquele seu irmão chato lembrando de coisas que fez quando ainda era criança, que causaram raiva, mas que agora soarão como piadas alegres. Seus irmãos há quanto tempo não fala com eles? Um mês? Dois anos?

Tem aquele sobrinho chato... Mas é parente! É o que nos resta.

Há quanto tempo não fala com seu filho, sua filha? Eles nunca tem tempo para você, mas, você tem tempo para eles?

Para que ficar pensando em outra velha canção: “Eu me lembro com saudade o tempo que passou, o tempo passa tão depressa”... Realmente, hoje você vê como o tempo passou depressa.

Aí você acorda! E vê que lá fora, lá fora, mesmo com este tempo nublado, outro dia vai nascer e o sol vai mostrar todo o colorido da rua, vai aquecer o corpo, vai apagar estas lembranças, vai trazer a realidade.

Ai você acorda! Esta é a realidade, um novo dia, uma nova oportunidade. Já não existe aquele afã de procurar alguém para ficar junto, procurar uma mulher para namorar, acariciar, fazer amor. Hoje você gostaria apenas de ter alguém ao seu lado, para conversar, para sorrir, para lembrar, para ... amar.

Ai você acorda! Acorda e descobre que é mais um dia, mais uma oportunidade de jogar fora a saudade e continuar a viver.

Aí você acorda!