Só não chorei, porque a cebola era roxa.

Da minha janela ouvi um estrondo, parecia um carro chocando com um poste.

Aqui dentro? Como assim? - Pensei.

Quem, em plena consciência iria ousar fazer barbeiragem bem na porta de casa?

Onde você entra e saí sóbrio. Por mais que fique pouco em sua casa, seus vizinhos já conhecem a forma que pisas o chão, até mesmo ouve o estrondo da cama enquanto você pratica certos atos ou se deixa o seu jantar grudar no fundo da panela, já definem que és um péssimo cozinheiro.

Desejo aparecer na janela e ver quem foi o ousado que poderia ter batido em outro poste/muro, descer cambaleando entre a fumaça em uma outra parte da cidade. Mas, não! Ele decidiu fazer justamente aqui, perto da minha janela, numa hora dessas.

Portando uma faca amolada numa mão e a cebola na outra, me debruço na janela. Conseguir visualizar um carro muito arranhado, outro amassado o suficiente para saber que foi atropelado por algum desatento. Entre ambos ele, o carro barulhento estourado no muro com seu capô amassado e semi-aberto, como quem sorri com o canto da boca.

Pude ouvir:

-Ele bem que podia ter batido um pouco mais a esquerda, porque o muro já iria ser derrubado.

-Coitado do filho da síndica, acabou de comprar o carro.

Sai da janela e a fechei. Só não chorei, porque a cebola era roxa.

Adriane Neves
Enviado por Adriane Neves em 10/07/2018
Reeditado em 18/12/2019
Código do texto: T6385953
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