Só não chorei, porque a cebola era roxa.
Da minha janela ouvi um estrondo, parecia um carro chocando com um poste.
Aqui dentro? Como assim? - Pensei.
Quem, em plena consciência iria ousar fazer barbeiragem bem na porta de casa?
Onde você entra e saí sóbrio. Por mais que fique pouco em sua casa, seus vizinhos já conhecem a forma que pisas o chão, até mesmo ouve o estrondo da cama enquanto você pratica certos atos ou se deixa o seu jantar grudar no fundo da panela, já definem que és um péssimo cozinheiro.
Desejo aparecer na janela e ver quem foi o ousado que poderia ter batido em outro poste/muro, descer cambaleando entre a fumaça em uma outra parte da cidade. Mas, não! Ele decidiu fazer justamente aqui, perto da minha janela, numa hora dessas.
Portando uma faca amolada numa mão e a cebola na outra, me debruço na janela. Conseguir visualizar um carro muito arranhado, outro amassado o suficiente para saber que foi atropelado por algum desatento. Entre ambos ele, o carro barulhento estourado no muro com seu capô amassado e semi-aberto, como quem sorri com o canto da boca.
Pude ouvir:
-Ele bem que podia ter batido um pouco mais a esquerda, porque o muro já iria ser derrubado.
-Coitado do filho da síndica, acabou de comprar o carro.
Sai da janela e a fechei. Só não chorei, porque a cebola era roxa.