João das Cruzes nasceu com a cabeça erguida ao vento
João das Cruzes
Céu escuro, sem horizonte algum.
Negras nuvens sobre o mar bravio.
Ondas se agigantando, crescendo ao encontro dos rochedos.
Flores rastejantes sendo levadas pela fúria das águas mar adentro
Ventos fortes e intermitentes fazendo as palmeiras baterem as suas palmas até o chão.
Trovões redundando sobre tudo colocando os outros sons da natureza em fuga.
Relâmpagos iluminando o cenário de minutos em minutos ofuscando a visão.
Um choro.
Grito de dores.
Tempestade de granizo.
Telhado de esternite sendo perfurados aqui e acolá, janelas e porta de madeira estremecidas.
O casebre sobre as dunas da praia gemia, mas da areia não deixava não.
Uma mãe gritava por Deus e do seu filho não largava mão.
Uma parteira com suor escorrendo pelo rosto espremia para ver por onde nasceria o filho da luz.
Nestas horas o ser humano tem as forças do Deus que citava nas suas atabalhoadas orações.
O Pai de João repetia sem parar, ave-marias segurando com as suas costas as toscas tábuas do seu lar, quase em demolição.
João das Cruzes nasceu com a cabeça erguida ao vento.
Calou o mundo todo com o seu choro.
Subitamente a tempestade passou.
Tudo se acalmou, o vento, o mar, a chuva, as dores, as orações.
Um lampião com luz tremulada ao vento mostrava João das Cruzes, ora sombra, ora luz parecendo hipnotizar a todos com a sua candura e bravura diante das batidas aceleradas de tantos corações.
***
Cedo se aprende a viver e vai-se deixando lições, o homem chora, gatinha, ri e encanta de pequeno, mas na vida grande vira um Anjo de Deus ou um demoninho das trevas.
Ou é indiferente a tudo e gira feito um pião.
Aonde afunda o pé, afunda o coração.
Nem o diabo o quer, apenas um grande Deus para o esperar.