CRONICA DE UM TRABALHADOR BRASILEIRO APAIXONADO POR FUTEBOL
São Paulo 06 de julho de 2018.
Já fazem quatro anos desde a última Copa do Mundo de Futebol Masculino que, por sua vez, ocorrera aqui entre nós, no Brasil.
A mim não cabe muita coisa. Levanto duas de trinta da manhã para ir ao trabalho de uma sexta-feira que para mim, ao menos, tem algo de especial. Serão dez horas ininterruptas de labor para, enfim, sair por volta das doze horas e assistir o jogo da seleção brasileira. Minha lesão por trabalho repetitivo e a lombalgia agora crônica (que o patrão acredita ser desculpa de vagabundo; tal qual os críticos com Neymar) continuam aqui, mas, mais tarde, a cerveja provavelmente acalmará essa dor.
Poucas coisas parecem ter lógica na minha vida, sobretudo manter fidelidade ao futebol nacional depois dos horrendos 7x1 da última Copa. Mas isso é o de menos, pois ainda me coube, às duas e meia da madrugada, ligar o rádio no trabalho para ouvir as notícias do dia e descobrir que o gás de cozinha elevou 4,4%, a Petrobrás aumentará 1,07% a gasolina nas refinarias, o dólar está em R$ 3,86, o cenário político me inspira a simplesmente desparecer do país no dia das eleições e assim por diante.
Mês passado, preocupado com as dores que aumentavam e após descobrir que o patrão deveria custear a alimentação (vale-refeição, almoço no local ou cesta básica... e não os pães que como aqui porque, afinal, é o que resta ao meu pessoal da padaria), liguei para o sindicato horrorizado e pedi apoio. Vieram, fizeram barulho e o Vale-refeição foi instituído. Curioso decidi ir na Assembleia que debateria sobre o aumento do salário...
Que merda que eu fiz.
Ao chegar lá ouvia a apaixonante defesa do representante dos empregadores dizer que o aumento que eles dariam atendia aos reclamos inflacionários da época. Acham que o fato de ser padeiro afasta de mim a capacidade de saber que estou sendo absolutamente enganado. Pedi a palavra e ao subir no palanque apresentei os números (afinal, esse é o meu trabalho: 10 gramas de sal a mais e ninguém suportará o pão!) de que àqueles valores não atendiam nem mesmo a inflação.
Fui aplaudido, estava em êxtase e sentei-me.
Ao lado, um gorducho bigodudo me abordou e falou: “Meu senhor, foi muito bom seu discurso! Não gostaria de vir conosco para debatermos melhor?”. Outra merda que eu fiz: fui atrás. Ao chegar lá, o representante do sindicato dos empregados e do empregador estavam lá e na mesa havia alguns montes de dinheiro, como aquele de filmes com elástico e tudo. Dei dois passos para trás e lá estava o gorducho que imediatamente disse:
- Entendemos sua posição, mas, infelizmente, se formos atende-la tal como sustentou precisaremos dispensar muitos funcionários e sei que não é isso que você quer! Então, para evitar dissabores e que essa tragédia com colegas seus aconteça que tal fazermos um acordo? Pega aí – direcionando-me um daqueles montes – e assim você reconsidera sua posição no palanque?
Horrorizado, sai sem abrir a boca. Eu acreditava que realmente representassem os empregados...
Não fosse o bastante, duas semanas atrás, retornando para casa no meu velho gol quadrado, a polícia me parou (sim, tenho carro porque meu trabalho fica a três horas de casa e como não há trabalho, aceitamos mesmo que seja no Acre). Nada demais, sempre admirei o trabalho deles, sobretudo dos honestos que colocam sua vida em risco por mim e minha família. Mas àqueles párias... simplesmente pararam e ao olhar o carro viram uma lanterna queimada (já está a meses, mas não sobra para resolver) como que de propósito e sem rodeios disseram: - Amigo, pelo carro já sabemos das condições da coisa. Passa cinquentinha e encerramos tudo por aqui, fechou? Não resta dúvida, dei.
Na fila, uma mulher se finge de grávida e outro homem de coxo para ter atendimento preferencial; no ônibus o jovem senta no acento preferencial com seu fone-de-ouvido e quando chega um idoso finge dormir; na praça um homem sem qualquer respeito às mulheres grita para uma passante: “Eita, que bunda gostosa!”, mesmo vendo-a com a filha do lado; na rua, mais um carro leva a vida de uma criança porque o motorista pilotava completamente embriagado; em todo lugar a pirataria sustenta o crime e nas ruas o boizinho favorece o tráfico de drogas.
Mas o que tudo isso tem a ver com o diabo do futebol?
Nada, mas ao chegar em casa hoje vi o jogo com toda a vida que o cotidiano medíocre me suga e, coberto pela decepção em todos os demais pontos da vida, de orgulho transbordo a cantar o hino nacional na sala de casa e a gritar com os zagueiros, técnico e até o gato de vez em quando resolve passar na frente.
Eu sei que terei dificuldades neste mês de pagar todas as dívidas. O aluguel aumentou, o gás e a gasolina. Mas enquanto tudo no cotidiano brasileiro me decepciona (política, judiciário, economia, polícia, educação etc.), assistir o jogo do Brasil é a última gota de orgulho que transborda em meu suor diário e também o último grito de honra que me sustenta em pé.
O dia não terminou como eu esperava e essa amarga derrota por 2x1 contra a Bélgica estragou o que poderia ser um feriado mais prolongado ainda. Gritei como criança em parque de diversão e chorei como um menino atrás dos pais no hipermercado, mas vivi cada gota dessa paixão na intensidade que transcende toda a racionalidade e, naquele único momento, apaga as torpezas de um cotidiano entristecedor.
Perdemos, sim.
Mas pelo menos a Itália nem veio e a Alemanha já foi cedo. Ainda seremos, ao final desta edição, a única Pentacampeã. Ainda seremos o melhor futebol do mundo do Neymar cai-cai, sim, mas também daquele povo que mesmo passando uma vergonha histórica em casa como os 7x1 da Alemanha, sacode a poeira e volta a gritar: BRASIL!!!
Eu não tenho motivos para torcer, torço, porém, porque essa é a última linha da minha bandeira que segura firme seu bater no vento.
Enquanto as demais coisas me envergonham, qual o problema de se apaixonar?