Despedida
Nove e trinta e cinco. Olhei cuidadosamente para a pessoa que estava à minha frente. Suas mãos faziam movimentos circulares que balançavam a colher e agitavam parcialmente o café. Um misto de loucura e empolgação compunha sua fisionomia pouco receptiva; algo que ignorei, depois que passei a me concentrar no meu próprio prato. A cada palavra mal dita ou um trocadilho infame, meus lábios curvavam-se ressaltando a reprovação e o tédio que me consumia. Era tudo muito estranho. Entre reviradas de olhos e suspiros longos, a sensação de não pertencimento pairava no meu subconsciente. Era difícil constatar o que motivava aquele encontro casual. De um lado, a inocência corrompida e disfarçada de sabedoria precoce. Do outro, algo que eu poderia chamar de sabedoria pautada no calculismo maléfico. A princípio, todos ganhariam nessa troca mútua de experiência e convívio social. Eu sairia satisfeita, dando risadinhas comedidas que mostrassem autoconfiança e indiferença. Geralmente funcionava. Entretanto, alguns laços que se formam sob o corruptível lençol da inconsequência, tornam-se amarras que hora ou outra sufocam quem está embaixo. Não é preciso dizer que, analogamente, eu estava embaixo. Todavia, pacientemente elaborei um discurso de despedida e balbuciei com toda firmeza que sempre me faltou. Era difícil esperar algo coerente naquela altura do campeonato, onde todos os discursos foram desperdiçados e substituidos por um tanto faz, afinal, alguém sempre voltaria. Como todas as outras vezes, desaforadas, dramáticas ou conscientes despedidas. Tratava-se de um tempo onde todas as coisas seriam resolvidas pelo poder do perdão e do bem universal. Algo sempre dizia que eu o encontraria em uma fila de pão alguns meses depois, ou talvez em um bar suburbano da cidade. Eu estaria, certamente, com um copo de caipirinha barata na mão, com os olhos marejados e cheios de esperança. Ele, com a segurança do que sempre foi palpável e evidente nessa relação; a segurança de que eu ainda gostava dele. O gostar que não se inseria no pretérito perfeito, mas no imperfeito. Algo que a nossa decadente relação era: habitual e não limitada a um momento definido do passado. Porém, naquela manhã, depois de um abraço, o destino resolvera colocar um ponto final naquela história, para que essa crônica coubesse no papel. Para que fosse menos doloroso que dizer o habitual adeus.