Tancão
Não mais do que três quilômetros de minha casa, meio a uma campina verde, toda irregular, com cercas de arame farpado que os dividiam em pastos, os quais dávamos nome: Pasto do Nico, Pasto do Gerônimo, Pasto do Grêmio. Cada um tinha sua especificidade, o primeiro, até possuía uma ruazinha estreita que ia sumindo, definhando-se meio a gramíneas que brotavam por si só. A marca registrada desse primeiro pasto eram dois eucaliptais, os quais, eram vulgarmente chamados de Calipeiros. E como um deles ficava mais perto do que o outro, chamávamos Calipeiro Perto e Calipeiro Longe. Eu tinha 11 anos, jamais poderia ir tão longe, éramos proibidos, e nem queríamos mesmo. Apesar de soltar a imaginação e ficar voando junto aos topos daquelas árvores gigantescas, que numa suavidade bailavam, eu ficava horas bailando junto, num vai e vem de pensamentos, onde criava Deuses, labirintos, monstros e serpentes. Era meu mundo mágico; acordava pela manhã, abria a porta da cozinha e lá estavam eles, mais imponentes, se não fossem árvores, diria que eles andavam, pois de tempo em tempo parecia estar mais perto.
O segundo pasto, conhecido como Gerônimo, era totalmente, obscuro, era necessário atravessar a fronteira, uma cerca de arame farpado, todo bambo, mas que garantia nível de responsabilidade a quem passasse por ele. Se chegar até os eucaliptos já era um desafio, imagine ir além. Diziam que as pessoas iam lá para se beijar, por isso não me atrevia, nem pensava em ultrapassar tais fronteiras. Mas eu sabia que após longas caminhadas por aquela ladeira, estava o terceiro e último desafio, se não fosse o Tancão, mas este é razão do meu texto, e ficará para depois. O Pasto do Grêmio era o esplendoroso, tudo organizado, campo de futebol, uns oito pés de manga, tinha manga de todas as qualidades, uma ficção, pensava em meu minúsculo mundo, que não alcançara sequer os ditos Calipeiros.
Passaram-se os anos e numa manhã de férias de dezembro, acordei pensando em explorar os limites de minhas provocações. Dez horas da manhã, corri para a porta da cozinha; onde estava meus bailarinos? _ decapitados, não restara um, baixava a cabeça e erguia novamente e novamente, tentando não compreender aquela paisagem. Com muito esforço, consegui chegar até lá, só havia tocos queimados, se não bastassem incendiaram suas raízes. O mundo para mim acabara, pelo menos por aquele instante. Naquela desventura, umas crianças, já mais abusadas, desafiavam-me em prosseguir, ir além das fronteiras. Criei coragem e comecei a jornada, vi que não havia pessoas se beijando, foi um alívio para minha consciência, chegamos no último pasto, realmente havia campo de futebol, e mangas..., meu Deus! Nunca presenciara tantas qualidades do mesmo fruto, mas meu pensamento ainda me prendia a decepção de não ter tomado a decisão em visitar os eucaliptos enquanto estavam vivos. Mas todo aquele sofrimento tornara-se em nada, quando me deparei com um rio. Um rio de verdade! Imaginei mil aventuras, que se perderam no caminho, mas a euforia lembro-me, perfeitamente, queria nadar, queria pular, queria banhar naquele “waterworld”. Após explorá-lo, cheguei a mais formidável momento de minha aventura, um tanque de águas cristalinas, enorme, rodeado de barrancos altos, onde as pessoas saltavam de lá como trampolins. Não hesitei, afastei-me uns cinco metros, corri em direção daquele tanque e me joguei afim de sair nadando, pois, se todos faziam isso, também seria capaz, pensava em minha cachola. Assim, afundei uma vez, senti o fundo do posso em meus pés, afundei novamente, e se existe anjo da guarda, o meu deveria chamar Cielo, pois, sai nadando do outro lado, e depois disso não houve mais sofrimento, consegui viver sem o tal calipeiro, agora tinha um novo amigo, e tinha que aproveitá-lo antes que civilização chegasse por lá.