O Revolucionário de Merda e o Pobre de Direita
Figuras típicas da política atual do nosso país, estes dois personagens cuja a raridade pode ser comparada ao mato das ruas mal cuidadas ou das pedras que se desprendem do asfalto ruim, são referências básicas para pensarmos a forma como o cidadão ordinário vive a política cotidianamente.
O Revolucionário de Merda é aquele que se vê como um grande injustiçado pelo mundo. Ele acredita que governos e patrões se organizam para oprimi-lo e que todas as ações possuem o maléfico objetivo de o explorar e o manter subordinado. Sem entrar no mérito da questão, o problema é que ele se limita a reclamar, ele é antes de tudo um chorão.
Ele lamenta salários baixos, falta de reajustes, o pouco tempero na merenda escolar, a forma como o presidente deu Feliz Natal sem se referir a alguma minoria em especial, mostrando seu carácter elitista e comprometido com grandes interesses...
Ele constrói sobre si o papel da vítima e do injustiçado. Uma mágoa que nunca passa, uma vingança que se realiza tentando fazer seu algoz se apiedar ou fazendo os demais ficarem "de mal" com ele.
O Revolucionário de Merda não age, a não ser que neste agir se monte um palco onde ele aparecerá novamente como vítima e injustiçado. Ele se queixa de suas condições de trabalho, da falta de status e reconhecimento, mas não faz nada além de se apiedar e apiedar os outros sobre sua condição.
Ele também não tenta dentro das condições dadas pelo capitalismo mudar sua condição, buscando outra profissão ou carreira. Nem tampouco, como foi explicado, tenta mudar as condições existentes. O limbo que ele se encontra é a merda existencial em que ele se encontra atolado como vítima e injustiçado que não tem outra arma que não seja o apiedamento, a lamúria e mágoa.
No fundo, o Revolucionário de Merda busca neste apiedamento justificativas pra não lutar. Não luta dentro do sistema para melhorar suas condições de vida e nem contra o sistema com este mesmo intuito. Apiedar-se para ele é se eximir de qualquer responsabilidade sobre as condições de vida que possui ou pelo mundo tal como é.
O Pobre de Direita é outra figura deplorável, que embora pareça distante do Revolucionário de Merda, são mais semelhantes do que se imagina. O Pobre de Direita é o sujeito que pensa de forma parecida com seu patrão ou outras figuras aos quais se subordina.
Algo parecido com a Síndrome de Estocolmo, ele se identifica com quem explora seu trabalho. Ele não vê problema em ser explorado, vê isto até como um certo castigo ou punição por não ser "ainda" como seu patrão. O merecimento, no caso, tem a ver com não se sentir capaz como o patrão e por isto merecer ganhar menos e se humilhar mais.
Ele sonha um dia ser patrão, por isto deseja preservar esta ordem mesmo que desvantajosa para ele. Sua lealdade, uma característica nobre nos cães, é laço que acredita estabelecer com o patrão como termos de uma troca por consideração e segurança, sempre adiados, dados às mínguas ou traídos...
Ele tem a proeza de defender os interesses daqueles que o exploram, busca ter os mesmos gostos que estes que o subordinam e se distanciar dos tantos outros subordinados como ele.
O Pobre de Direita evita seu próximo, pois a pobreza e miséria do outro é como um espelho incômodo: mostra que apesar de todo esforço e devoção ao que domina, ele se assemelha mais aos colegas trabalhadores do que ao seu patrão.
Seu patrão mora, come, se veste e tem um carro melhor que o dele. Tem muitas vezes mais escolaridade e requinte do que ele, mas quando se trata de defesa de interesses chega a ser difícil distingui-los. Seu patrão tem uma BMW agora, troca o carro de ano em ano, quase como se adquire novas roupas - um "sacrifício" exigido pelo bom gosto e pelo papel que ocupa na sociedade.
O Pobre de Direita tem um Gol 2002 que quase não sai da garagem por causa do preço da gasolina. Seu salário é abocanhado pelo aluguel, alimentos, energia e água. O pouco que sobra é disputado pela esposa e filhos para atender alguma necessidade de roupa, utensílio ou substituição de algum móvel precário. Disputa de migalhas do seu salário.
Ainda assim, se identifica ideologicamente com seu patrão, embora seu patrão não se identifique com ele. Isto pelo simples fato do seu patrão defender interesses próprios e não de outros cuja a realidade lhe seja estranha.
O Pobre de Direita vive atolado na mesma merda existencial, juntamente com seu vizinho, colega, parente ou conhecido Revolucionário de Merda. Ambos não são coisa alguma, se iludem, um acreditando que o patrão um dia foi como ele e outro acreditando que esta participando de alguma revolução.
Ambos vivem no mundo das ideias e distante da prática. O Pobre de Direita que vive apertado com as contas e trabalhando, mas pensa como um capitalista, mas sem capital. O Revolucionário de Merda que desafia autoridades e status quo através de denúncias vazias, teorias da conspiração e palavras amarguradas -se apiedando diante do seu algoz.
São figuras igualmente patéticas e deprimente. Um por se identificar com seu patrão quanto mais se subordina e age como um empregado. O outro por se identificar como um revolucionário, quanto menos age e mais se apieda e se apequena diante de seu algoz e de seus semelhantes.
Os dois nascem no mesmo contexto social, são igualmente pobres e igualmente alienados. Pessoas incapazes ou com severas dificuldades de compreender nas suas atitudes a reprodução de um sistema e de compreender este sistema como algo humano e social constituído pela história.
Para os paranoicos da direita que acreditam que o comunismo se instala no país sorrateiramente, talvez tenham que se deparar com a única igualdade concreta observável que nada tem de contraditória com o capitalismo. Pelo contrário, ela o mantém estável por que direciona a insatisfação para dentro de si como força auxiliar e uma condução segura dos nossos impulsos para a reciclagem ou o esgoto da vida social.