Os opostos não se atraem. Odeiam -se
Eu era um fedelho de esquerda arrogante, cheio de razão, pedante e ateu proselitista, que amava as Farc's e o ELN. Chacal era um dos meus ídolos. Sentia uma forte nostalgia das brigadas vermelhas e da Guerra Fria, bem como da luta armada no Brasil. Também queria ter lutado no Araguaia. Na minha cabeça, que não girava bem, mas que era não muito diferente daquelas que me cercavam, se eu tivesse vivido aquele período, a esquerda não teria perdido o conflito. Um simples iludido dentro dos muros da universidade.
Já nesse período, a crença no sobrenatural para mim era de uma infantilidade sem tamanho. E Deus, uma bobagem primitiva. O preconceito com pessoas crédulas era tanto que bastasse dizer que fosse evangélica ou de algum grupo católico carismático para me provocar nojo e desprezo. Mas tratava pior aqueles que iriam votar no José Serra. A esses o meu veneno era diário. Desafiava-os constantemente. Eu havia trocado a velha religião por duas novas, que se complementavam e se fundiam num só: o ateísmo e o marxismo. E, vez ou outra, eu me me assustava que, naquele ambiente cercado de cultura, as pessoas se surpreendessem com alguém que se intitulasse ateu. Mas eram pré-vestibulandos, não universitários. Num surto megalomaníaco, eu dava a eles um voto de confiança e perdão. Embora a maioria ali fosse ignorante e não estudasse absolutamente nada , eles se achavam o último mel do cacho, inclusive eu. Aliás, achávamos que estávamos numa espécie de doutorado, que pertencíamos a uma casta escolhida por Deus só porque, pelos céus, NÓS PASSAMOS NUMA SELEÇÃO. Ridículo, mas real.
Havia uma garota na sala, muito bonita, discreta e que não costumava se sentar no pátio para conversar. Eu a paquerava, ela retribuía. Mas nada de intenso. Era algo discreto e esporádico, já que eu faltava muito. Um dia a aula acabou assim que eu entrei na sala. Um desses atrasos que só ocorrem de cem em cem anos em toda a história do universo. Todos riram.
Um dia ela estava de pé conversando com alguém( não lembro,mas acho que era o cara com a camisa do Kurt Cobain). Ele me chama e me pergunta algo, eu confirmo a pergunta. Inicia-se uma longa conversa, entre olhares e paqueras, não sei como chegamos a esse tema, mas já estávamos falando de religião. Só me lembro que eu disse: "não vou, não acredito em deus, boa sorte. Podem ir". A jovem frange a testa e pergunta: "o que?" eu respondo: "sou ateu e não acredito em deuses, nem no seu." A jovem quase cai para trás ensaiando um ataque cardíaco cujo desfecho seria certamente um missa de sétimo dia a contar daquele minuto. Ela me disse uns desaforos em forma de eufemismos, eu os devolvi, SEM EUFEMISMOS.
Passados uns três dias, ela estava nos corredores olhando os cartazes nas paredes. Eu me aproximei, não para falar com ela, mas para demonstrar meu desprezo. Ela se antecipa e, ao perceber minha chegada, sai . Nunca mais nos falamos, nem nos olhamos."
Fragmento de "Crônicas de uma juventude real num mundo irreal"