Mariquitas de julho

Mariquitas de julho




Semana passada, conversando com uma amiga pedagoga, exaurida de tanto solicitar aos aluninhos para desligarem os tablets, contei para ela certo lampejo vindo da antiguidade. Quem você acha que calculou a circunferência da Terra - a Nasa? O astrônomo Johannes Kepler? Os mentores do satélite Sputnik 1? Ou um cara chamado Eratóstenes, em 200 A. C., (mais ou menos)? Eratóstenes, auxiliado por dois itinerantes e um par de gravetos (para medir a sombra no Solstício de Verão), calculou a circunferência da Terra. Com a Wiki de plantão eu não preciso me alongar. Um dos fatores apaixonantes dessa passagem está na absoluta ausência de aparelhos eletrônicos pensantes.

"O imbecil-padrão acredita em todas as opiniões com que está acostumado e duvida de todas as que pareçam contrariá-las. Seu critério da verdade é o conforto ou desconforto da sua mente”. (Olavo de Carvalho).

Ora, há tempos já me conformei com o status de imbecil-padrão e vou dia a dia tocando a vida como posso, vendo limites sendo derrubados com a velocidade de relâmpagos, não diria exclusivamente meus, mas dos outros, do mundo, das idéias que desmoronam, dando lugar às novas.

A diversão da mente volta e meia me apraz. Dentro da palavra “create” (criar), está “eat” (comer).

Como brasileiro, pagador de impostos, observador do caos, temeroso face ao futuro, inquieto além da conta com o presente, afora a imbecilidade congênita, vigora a que me foi presenteada por gestores imbecis desde não sei quando, assim, me restam a fé e as surpresas cotidianas.

Logo depois de conversar com a amiga pedagoga aparece o irmão dela, prestes a se formar em arquitetura, sorrindo de orelha a orelha em virtude da aquisição de uma edição nova em folha do último livro do sr. Eco, "História Das Terras E Lugares Lendários”, de 2013. Folheei e li o prefácio. Duas colunas de texto orvalhosas, límpidas e perfumadas como um jardim de lavandas, o gajo "parla come mangi”, chega a ser obsceno escrever tão bem assim. Nem uma única minhoca nessa preliminar sobre um trabalho que com certeza deve ser um sonho, livrão de gente grande, conta com ilustrações o fino da bossa e promete eficaz cirurgia nas cabeças pequenas.

E a gente aqui, na masmorra das boçalidades, e olhe que se reclamar piora, entretanto, “Não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é negá-la”, (S. Tomás de Aquino), cuidado, vão soltar o presidiário-mor, porque o STF isso e aquilo, (nada de bom associado a essa sigla, pelo contrário, peor, como diriam os conterrâneos das mariquitas), mais um assassinato, políticos fazendo apologia aos assaltos, Brasil vende gasolina para Bolívia a R$ 1,59 o litro, a música desse parágrafo não tem fim, funciona como relógio e, como se sabe, a existência de um relógio pressupõe um relojoeiro.

O inverno paulistano vem nos acariciando com tardes acolhedoras nos tons dourado e azul.

Nosso amigo arquiteto cita Filippo Brunelleschi, sendo sua obra mais conhecida a cúpula da catedral Santa Maria del Fiore, em Florença, onde foram usados quase 4 milhões de tijolos, a maior cúpula de alvenaria do mundo. Arqueamos as sobrancelhas. Surge mais uma amiga nesse encontro, terceiranista de psicologia, está esbaforida, última semana de aula, pede um café, folheia o livro do Eco, devaneia sobre uma viagem até a Caverna das Andorinhas, no México, uma doideira da natureza com 60 metros de diâmetro e 376 metros de profundidade. Imagine, cabe uma Torre Gêmea lá dentro. Em 1976 uma galera de ornitólogos da Faculdade do Texas tropeçou no local. Bom argumento para um filme arejado, desses instrutivos e sem cadáveres.

Saímos para caminhar um pouco. Todos tem conhecidos de passaporte em punho se acotovelando nos aeroportos para construir um destino noutras plagas. Nenhum de nós deseja sair do Brasil. Gostamos das ortoépias mutantes, das prosódias controversas, dos nossos corações tentando se conectar com o mundo à nossa volta, do jeito que o corpo faz para se manter vivo, apreciamos os telhados das igrejas e das casas, dos recortes de grama e de certa árvore que está florindo agora pelo bairro todo, dir-se-ia um despontar sincronizado feito balé profissional, sentimos decerto amor pela longínqua, embora nada lendária noção do Sol Eterno de Pressão Constante, que um dia há de produzir amplamente uma atmosfera igual e harmoniosa para os que nela vivem.



(Vincent van Gogh, "Landscape with a Church", 1883)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 01/07/2018
Reeditado em 18/05/2020
Código do texto: T6378445
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