JUAREZ

Nos Estados Unidos, em Madison, Wisconsin, curti prazer e alegria de conviver com um colega que, nos seus 26 anos, infalível e diariamente, tinha uma nova graça para contar. Cearense de Quixadá, vivido em Fortaleza, Juarez era ímpar. Nas rodas de brasileiros, era campeão de atração. Morava, como quase todos os estudantes brasileiros, em Eagle Heights, um amplo conjunto residencial destinado ao acolhimento de estudantes em pós-graduação naquela universidade.

Durante o inverno, o frio atacava. Era de 20 graus negativos para baixo n’alguns dias. Sem dúvida, desconforto notável ao entrar de casa - ou sair – devido à mudança brusca de temperatura. Para amenizar esse efeito, o hábito geral era manter a temperatura interna da moradia entre 16 e 18 graus centígrados.

Juarez não dava muita confiança a essas recomendações. Nem ao mundo externo. Fazia de tudo para viver como se estivesse no Ceará. Seu apartamento, de dois dormitórios, era permanentemente aquecido acima dos 25ºC. Ele, como sempre de calção, sem camisa, comendo castanha de caju e tira-gostos diversos. A maioria feita domesticamente. Salgava e secava carnes e toucinho. Daí, ter sempre torresmos, cubinho de carne de sol, farofa e coisas enviadas por seus parentes do Ceará para animar as conversas com visitantes. Também não faltava cerveja. Tinha sempre cachaça Ypióca aberta e em estoque. Seu almoço preferido era “baião-de-dois” com carne de sol bem gorda. Muitas vezes com feijão de corda!

Recém casado, não deixou sua esposa Eva para trás. Morena do tipo indígena, cabelos longos e lisos, acompanhava Juarez em seus gostos e tradições. Um casal sempre sorridente e alegre. De ausência muito sentida em qualquer reunião de brasileiros.

Pela manhã, ao entrar no coletivo, era de imediato reconhecido por seu “good morning”, em alta voz e típico sotaque arrastado. Os outros passageiros, indianos, africanos e centro-americanos achavam graça. Alguns faziam questão cumprimentar-lhe com sorriso e aperto de mão.

Classificava todos os nigerianos como baianos – meus conterrâneos - dado o permanente odor de dendê que lhes exalava das vestes a qualquer hora. Os indianos, sempre lembrando o cheiro de “curry”, eram chamados de “caldo de frango”. Os árabes eram mastigados entre sorrisos. Principalmente os tradicionais, com suas mulheres embrulhadas ou em burkas, fizesse frio ou calor.

E ainda tinham os apelidados: “taturana ereta” era um tipo mexicano, casado com brasileira. Lembrava o seu Madruga da trupe Chaves da TV. Magro de cabelos mal aparados e longos pelos corporais que lhe pareciam emergir das vestes. “Bosta de grilo” caia como luva para um franzino e raquítico paraibano, de voz fina e agitadinho em seus trejeitos. E muitos outros. Mas não se pode deixar de mencionar a “Sargenta Duran”, catarinense grandalhona, musculosa, de voz grossa, que morava fora de Eagle Heights,

compartilhando um apartamento com Noêmia, frágil estudante de comunicação. Juarez dizia conhecer o médico que fizera cirurgia de fimose na Sargenta.

As reuniões informais, fossem restritas a brasileiros, ou abrangendo demais latino-americanos e povos de outros continentes, não eram raras. A ABEM – Associação Brasileira de Estudantes em Madison - sempre se fazia representada por um significante grupo. Fora isso, a ABEM organizava eventos sociais, culturais, educacionais e esportivos com o fim de promover a integração social de nossa gente. Tempo bom!

Nas reuniões sociais, Juarez projetava-se com sua verve hilariante. Certa vez, fomos convidados a participar de um “EId al Fitr ”, festa islâmica que marca o final do “Ramadã” (período de 29 a 30 dias dos jejuns diários - “saum”) Celebrada a cada nono mês lunar do calendário islâmico, dificilmente coincide com o calendário gregoriano cristão. Embora congraçamento com farta e variada comilança, fomos alertados para a absoluta ausência de bebidas alcoólicas e para o rigor do horário de início: ao por do sol sem tardar nem antecipar um só minuto.

A comunidade brasileira aproveitava para conhecer melhor os costumes muçulmanos. Mesas com carne de cordeiro em molhos diversos, quibes, kaftas, charutos, tabule, babaganuche, homus tahine e muito mais. Isso sem contar a riqueza das sobremesas: qataif, baklavas, kunafa etc.

O que mais rolava era a curiosidade dos brasileiros. Geralmente abordava islamismo, Ramadã, educação, saúde, diversão etc. Em certo (ou errado, para melhor dizer) momento, Juarez, numa roda de homens com turbante, resolve perguntar a razão de as mulheres árabes cobrirem seus corpos por inteiro com roupas que mal lhes permitem mostrar as mãos.

A resposta foi professoral. Esse costume visa a preservar as mulheres da possível cobiça sexual provocada pela exposição de partes supostamente atraentes do corpo. Pecado grave para quem insinua ou deseja! Assim, a exposição restrita às mãos não levaria à troca de desejos carnais.

Juarez não se conteve à oportunidade da graça. Disse que as partes femininas que mais lhe excitavam desejos sexuais eram as mãos. “Dão-me asas à imaginação”, provocava. Os mais jovens riram.

Os circunspectos urgiram em recomendar às suas esposas luvas ou camuflagem das mãos nas proximidades daquele cidadão. Outros pareciam curtir a provocação e tecer ilações.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 30/06/2018
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