O Ressuscitador

 

 

            Era terça-feira magra, visto que nada acontecia, naquela terra vermelha do interior, esquecida entre duas curvas que faziam as estradas que a ladeavam. Também havia dois morros opostos, os chamados Irmãos Gêmeos, que se davam as mãos, e no ponto de encontro dos mesmos nasceu a cidadela, berço fértil dessa história.

            Habitava a cidade um povo crédulo, simples, mal-formado nas coisas cultas, mas que tentava, mesmo cambaleante e trôpego, sobreviver aos dias que corriam morosos, quentes e secos. A chuva era um patrimônio raro, embora não faltasse água na região, pois brotavam minas do solo que irrigavam as plantações. O rio também nunca secava por completo, embora nessa época virasse um fio de água de pouca monta, quase a nos dar dó de tão mirrado.

            Mas a poeira era muita e o vento, entre os morros, soprava com grande constância. Ai de quem não segurasse os chapéus ou das moças que não firmassem as mãos sobre as saias. Era o saci, dizia-se, que soprava para bolinar com o povo.

            De diferente mesmo, recordo certa vez de um homem que abalou as crenças do povo e fez o vigário ficar com a garganta seca. Surgiu ele nesse dia em que o sol, desde a primeira hora, ergueu-se em forte pinote e queimou as ventas de toda a gente. O desavergonhado sentou-se no bar. Deitou de lado o chapéu de couro velho e roto. Cuspiu três vezes no chão empoeirado. Encarou os homens no bar, que à moda do povo da região, davam de encarar todo estranho que por aqui passava, para descobrir-lhe as intenções.

            - Sou um ressuscitador. Levanto qualquer alma, mesmo que deitada há muito tempo. Querem que levante alguém? – eu juro que foi isso que disse o homem. Mesmo sendo eu um menino naqueles tempos que a curva da vida quase me fez esquecer.

            Todo mundo ficou desconfiado e de cabelos em pé, alvoroço foi geral e a meninada, que como eu, se esfregava aos pés dos homens no bar, saiu em disparada a espalhar a novidade.

            O estranho conseguiu dormir na casa do ferreiro, no lado de fora, junto ao cocho. O povo ralhou com o oficiante, mas ele tinha que buscar sustento, visto pouca gente querer o seu serviço no último mês. Mandou os reclamantes ao inferno e o hóspede ficou por ali, aguardando que alguém quisesse levantar algum morto.

            O povo, principalmente as carolas, que eram quase todas as mulheres, benziam-se ao passar pelo homem. Ele erguia o chapéu, cumprimentava e provocava:

            - Ninguém por aqui quer levantar um morto?

            A gente da cidadela não o desafiou ou provocou. Ele ficou sete dias e partiu em outra terça-feira, também magra, igualmente quente, sob um forte vento que o encobriu até sumir em uma das duas curvas. Antes de partir, foi ao bar, bebeu mais um gole de pinga e despediu-se:

            - Vim para trazer consolo e levantar alguém que partiu. Mas só levanto alguém se a família me pedir. Vejo que o povo daqui quer que os mortos descansem em paz, seja por medo ou por sabedoria. De qualquer maneira, conforme seja, que todos fiquem no sossego: vivos e mortos.

            O vento o levou para longe e até hoje eu ainda não sei se ele seria capaz de trazer alguém das tumbas. Melhor, por via das dúvidas, deixar como está.