Poesia excelentíssima

Já aqui falei do meu poema favorito: "Dióspiro". Copiei em 1986/ 87 esse poema das páginas de um jornal e mantive-o comigo. Nada sabia de quem o escreveu. Pensei que fosse mais um de tantos poemas que são publicados uma vez e depois mais nada. Achei-o sempre, no entanto, genial. A Kathleen Lessa teve a amabilidade de me informar acerca do poeta que o escreveu: Daniel Maia-Pinto Rodrigues. Ontem, ao folhear o Jornal de Letras, Artes e Ideias, poiso o olhar sobre um livro com o nome: DIÓSPIRO. Prestei logo atenção e, finalmente, quase 20 anos depois, fico a conhecer o percurso daquele que é o meu poeta publicado favorito (porque há poetas que não têm livros publicados de quem gosto muito).

O Daniel publicou um primeiro livro em edição de autor nos anos 80, com o título: "Vento". O incentivo veio por parte dos amigos que liam os seus textos e lhe diziam que tinha de escrever um livro. Claro que a sua vocação de poeta excelentíssimo não ficou por descobrir e depois dessa primeira edição de autor, escreveu muitos outros livros e recebeu prémios e algum reconhecimento. Os poetas nunca são muito reconhecidos! Sabemo-lo.

Os títulos das suas obras são quase um manifesto de poesia: "Conhecedor de Ventos", "a Próxima Cor", "O Céu a seu Dono", "A Sorte favorece os Rapazes", "O Afastamento está ali sentado", "Malva 62" e "Dióspiro" que está para sair. Escreveu também um romance em 2006, "O Corredor Interior". Diz ele que não é pessoa de defender causas ou hastear bandeiras. Um dos críticos da sua obra diz que ele escreve poemas cheios de energia calma. Ele próprio diz: «Há nos meus poemas a vontade de que vença a calma. Calma profícua que proporciona o que se quiser. Não se trata de uma luta - que pressupunha um outro tipo de acção - mas antes de uma carga poética. A calma, de tão perfeita, não se sente acossada, não é invejosa nem tacanha». E é de facto essa calma que se sente quando se lê o que ele escreve. É uma poesia com uma atmosfera mágica onde o eu poético nos fala do familiar, daquilo que conhecemos, mas que nos leva lentamente, de forma sossegada, para outras atmosferas mais remotas. Cada poema é uma revelação desconcertante de mundos e paisagens que quereríamos habitar. É um reino de calma e silêncios vários. São palavras que, por momentos, nos/ me suspendem quase a respiração. Confiram:

«Anoitece na aldeia

e numa animação de fábula

as pessoas recolhem às casas.

Das chaminés, pelos telhados

o fumo já faz parte da noite.

O amarelo das janelas

pontilha de preto.

O vento perdeu-se no bosque

e as crianças, nos cobertores

usufruem do medo.

Pelas imediações da aldeia

os lobos aproximam-se da realidade.»

(JL, nº. 963, p.17)