CONTRATEMPO



      Tudo está confuso por entre quatro paredes molhadas da chuva, e um grito agonizante tortura meu ouvido.

     No recanto encostado me encontro sozinho, pigarreando um cigarro e balbuciando comigo mesmo: tudo está bom.
     Olhei para o teto e imaginei a perturbação  confusas dos roncos dos motores, e o cheiro desagradável de óleo diesel chega as minhas narinas.
     Perdi todo senso de humor e me encontrei em tudo o que havia ao meu redor.
     Não contei as mobílias, nem imaginei sóbrio quando um gosto amargo de fel saboreava a minha boca.
Devolvi com um gesto de vômito a comida que tinha comido num dia antes.
     Apaguei as luzes. Grosseiro protesto colado na parede indica abaixo a anistia. Respirei.
Na realidade é que estava sozinho cercado por quatro paredes, e dizendo que tudo está bom.
     Prometo não enforcar de angustia, nem delirar de tormento, nem sufocar pelo meu medo.
     Sou homem e tenho que assumir as responsabilidades e modificar as minhas ideias contrárias.
     O total realismo cerca, e leva-me de contra para dar muro em ponta de faca e minha carne dilacerada, estraga-se num banquinho muito antigo, presumindo em mim como uma máquina de escrever.
     Previ que algo está acontecendo. Arrisco, firo, vingo. Afinal de contas para que tantas desavenças?
     Suspiro de anseio e me encaro num espelho sujo da mobília do banheiro, o vaso reluzindo como cristal, diminui de volume, quando de repente digo para mim mesmo:
_Quando a gente senta num vaso para defecar, lembro-me dos dias anteriores e digo: Poxa vida fiz merda!
     Luto comigo mesmo contrariando esse contratempo, divorciando a timidez contorcendo da frieza do meu recinto.
Cansado olhei para o teto e continuei.
_ Está tudo bem. Está tudo bom...
Adormeci.
     Acordei outro dia massacrado pelo jeito de dormir, com fortes dores na coluna.
     Abri a janela e abafei o ar com o cheiro desagradável que havia em minha boca.
     O sofá abafado de poeira; cinzas de cigarros já o manchavam o seu tecido limpo, e num estado de pura consciência a garrafa de rum se estalara no canto da sala onde as formiguinhas subiam pelo gargalo.
     Tropecei no par de chinelos que havia no corredor, e fui cambaleando até a entrada da porta para dar bom dia ao novo dia.
     O céu cinzento e ao mesmo tempo colorido de azul cintilava entre as rubras negras nuvens, e fui lavar-me na pia azulejada encarando o menor tubo de pasta que espremia com minhas mãos.
     O barulho rotineiro de um caminhão interrompeu-me quando alguém bate a porta, e diz que o aluguel está atrasado.
     Cocei a cabeça, manchei os cabelos com alguns jatos de água; respirei novamente.
_Está bem. Está bom.
     Sempre vinha esta pergunta com tom afirmativo das coisas que tinha sobrevivido, um grande desastre de embriaguez.
     Vesti uma calça desbotada da semana passada, não quis tomar café e sai com os cabelos sem pentear ao rotineiro caminho da vida, esbarrando num contratempo, implorando, chorando , pedindo e fingindo que tudo vai dar certo.
     O caminho da larga estrada que me conduzia, subia da fábrica industrial uma enorme fumaça que atordoou o meu pensamento, quando um jovem do colégio aproximou-se perto de mim e perguntou as horas.
_ Só faltam poucos minutos para você se decidir ser alguém na vida. Respondi.
_ Então tenho muito tempo! Respondeu o garoto.
Fiz um gesto de quem estava com raiva, e fui cair na mesa de um bar pedindo ao garçom um prato e um garfo.
_ Que vai comer senhor? Perguntou o garçom.
_Pão com ovo. Respondi.
_ Beber? Interrogou-me.
_ Vinho. Respondi.
     Quando o garçom foi buscar o que havia pedido, levantei da cadeira resmungando por não haver trazido o dinheiro, e fui silenciar na praça olhando o vendedor de pipocas, e escutando um som muito estranho numa loja por ali perto.
     De angustia solucei o meu gemido, depositei a amargura que sentia; escarei numa borboleta que custou a levantar voo por causa do grosso líquido gosmento da minha saliva.
     Esmurrei o ar, arranquei o bolso da minha blusa, e fingi ser cego para não ver a realidade da crise que estamos passando, num contratempo de dúvidas, sempre cambaleando e fugindo do cerco da realidade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Celso Custódio
Enviado por Celso Custódio em 27/06/2018
Reeditado em 16/11/2021
Código do texto: T6375328
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