O ALTO DO MONTE. TUDO E NADA.
Caminha o monge. Vagarosamente. Sobe a montanha, aos poucos.
Surge do nada o tudo que leva à altura inebriante do encontro espiritual perseguido.
A subida parcial ao monte exaure, mas conforta, ilumina ampliando, sacia o interior burilando e lapidando arestas na pedra antes bruta, limpa a nódoa armazenada pelo mofo do pensamento, tonteado na fervente indagação sufocada e febril, a pedir oxigenação expandida. Não para, persegue o “dharma”.
E vai-se do nada ao quase tudo, esfalfado na mágoa da lágrima, repique da saudade, sonante e iterada, dos entes queridos passantes e idos, arfante no suspiro do cansaço, compreendendo e compreensivo, tolerando a intolerância, aceitando a limitação do convívio, entendendo a tudo, compensado pelo sabor da conquista, pequena seja, que ilumina parte.
Foi-se assim o tempo, deixou marcas de construção não edificada, contudo, trabalhada, pedra a pedra a erigir a subida.
No entorno a visão de muitas sombras projetavam caminhos não caminhados, a procissão da desertificação visível, o séquito das nulidades pujantes, uma multidão apagada e cega, muda aos apelos do veio dourado, indiferente às grandes razões onde viceja, brota e cresce a cerebração que encanta e pacifica, e celebra a vida, toda uma gama de gente, esquecida da paz construída, por muitos sofrida, por vezes voluntariosa, temerosa, mas nunca desavinda, súplice de maior espectro, rasgando horizontes de cores incomuns, poente da vida vivida no prodígio de ser para existir sem forma, incorporeamente, metafisicamente ainda em corpo.
O temor fica na graça pouca que podia ser muita, do sentimento pequeno que precisava ser gigante, da sensibilidade apoucada quando queria ser cheia, mas havia luz ampliada no encontro nas sebes do desencontro em clausura empobrecida, mas já era muito, mais do que merecido, menos do que pretendido.
Ao longe o pico do monte, divisado ainda não alcançado, desafiante, impassível a mostrar sua altura inatingível, mirando sem olhar por estar acima, soberano, subida honra penetrá-lo em seu topo, podendo, honorabilidade distante, fugidia embora bailando passos de aceno em sua percepção a transcendência, virtude da nomeada que se esconde por ser natural, mais simples que a simplicidade, mais virtuoso que a virtude, estava ali, generoso, por pertencer à natureza como nós, sem alardes, nunca como vestal, abraçado privilegiadamente pelo céu, exclusivamente com sua propriedade imanente às alturas; tinha o dom, era sábio, o topo do monte.
Para lá se movimentam alguns, buscadores, aos tropeços, miram o “dharma”.
Pouquíssimos chegaram, sabem e souberam dizer que o espaço no topo do monte era exíguo, e que mais um passo levaria a uma grande queda.
Estavam no topo e o espaço é pequeno para abrigar multidões.
“Nosce te ipsum”, "Conhece-te a ti mesmo", do latim vertido para o grego, máxima inscrita na entrada do Templo de Apolo em Delfos, colocou Sócrates interrogativo, estabelecendo por isso seu grande princípio, “Sei que nada sei”.
Mas precisamos saber o mínimo, escravizamos nosso ser quando não encontramos o mínimo do que somos, é a mutilação da liberdade.
Para conhecermos os outros, o mundo, suas emoções, impõe-se antes exercer o “nosce te ipson”, assim chegaremos ao menos ao pé do monte.
Esse o primeiro passo para subir ao monte, conhecendo e avaliando todos os outros passos no nosso maior tribunal, a consciência.
O homem cujo horizonte mental se confunde com o horizonte visual não será capaz de virtudes, não dará o primeiro passo.