Cinco para as seis da manhã. Dona Arminda abriu os olhos e travou o despertador. Há mais de cinquenta anos ela acorda sempre antes de o relógio tocar, mas não deixa de prepará-lo, todas as noites, como um ritual. Talvez essa seja a forma de prestar homenagem ao seu finado marido que durante toda a vida acordou tão cedo para trabalhar e dar-lhe de um tudo, como ela dizia. Espreguiçou-se, rezou o terço e levantou-se depressa, como se tivesse alguma coisa importante a fazer. Pegou seu vestido de flores, muito bem lavado e passado e levou para o banheiro. Depois de banhar-se passou talco em todo o corpo, penteou os cabelos, vestiu-se e foi fazer o seu café.
Do alto dos seus 87 anos olhou o mundo pela janela da cozinha e resolveu o que ia fazer do seu dia. Sairia para pegar dinheiro no caixa eletrônico, coisa que a fascinava.
Que invenção maravilhosa! - pensava. O meu sonho era ter uma caixinha dessas aqui no meu quintal. Eu plantaria umas roseiras em volta dela, colocaria uns banquinhos e chamaria minhas amigas para virem pegar dinheiro sempre que precisassem. Ia ser o máximo!
Depois de tomar o seu café, e alimentar os passarinhos, saiu para pegar o dinheiro a fim de comprar os presentes dos seus netinhos. Nunca deixava de presenteá-los no dia da criança, embora eles já tivesse mais de trinta anos.
Pegou a bolsa, conferiu os documentos – nunca saía sem eles- e partiu.
Na segunda esquina encontrou o caixa eletrônico. Entrou e começou a procurar o cartão. Quando o encontrou viu que dois homens entraram também para usar o caixa ao lado. O seu sexto sentido a fez pressentir que eles não pareciam cidadãos acima de qualquer suspeita.
Calma - disse a si mesma - enquanto maquinava um plano. Dirigindo-se ao mais mal encarado, como se fosse uma velhinha ignorante, disse: moço, será que ocê podia me ajudá? Tô cum pobreminha com o meu cartão, já tô vindo lá do outro caixa, mas num consegui tirá o dinheiro. Eu devo de tá fazendo alguma coisa errada. Minha neta já me ensinó dez vez , mas eu sou uma velha ingnorante.
- Claro, minha tia! Diga o seu código pra ver se eu dou mais sorte.
Ih, meu filho. Eu sempre ouvi dizê que a gente não deve dá o número pra ninguém, mas tô confiando em ocê, o número é 201036.
O rapaz colocou o cartão, digitou o número e recebeu a resposta: código incorreto.
A sehora deve ter se enganado, confere direitinho.
Não. É esse número mesmo. Eu não ia errá a data do nascimento do meu filhinho. Foi por isso que eu botei esses número. Eu não ia podê esquecê essa data mesmo que eu quisesse. Imagina o senhor que o parto dele foi muito difícil. Eu sofri muito, perdi muito sangue e quase que eu morro.
Não precisa me contar não. Se foi um sofrimento pra senhora é melhor não recordar pra não sofrer novamente, vamos tentar mais uma vez.
O rapaz já estava simpatizando com a velhinha, que começara a chorar.
- Ah, meu filho, você não sabe o que é vê uma pessoa sofrendo em cima de uma cama e a gente não podê dá alívio pro seu sofrimento. Meu marido tá cheio de dor, quase não pode se mexer e eu precisava de vinte real pra comprar o remedinho dele.
- Juca, disse o rapaz, dirigindo-se ao seu companheiro – arranja aí vinte paus pra dona.
- Pô rapaz, não foi pra isso que a gente veio aqui – resmungou a cara, metendo a mão no bolso.
Dona Arminda, sentindo-se salva e esquecendo-se de que era uma mulher ignorante, lhes agradeceu.
- Muito obrigada, meus filhos, que Deus seja magnânimo com vocês que sabem sê-lo com uma senhora idosa como eu.
Depois de alguns instantes os dois se entreolharam, mas dona Arminda já estava longe. Só mais tarde se deram conta de que aquelas palavras de agradecimento não eram compatíveis com uma senhorinha ignorante. Eles haviam sido enganados sole-nemente.
Dona Arminda saiu depressa, entrou na primeira farmácia que encontrou pra comprar o remedinho do marido que já está embaixo da terra há uns vinte anos, e pediu um copo d’água com açucar. Afinal não está mais em idade de aveneturas.
Ao chegar em casa se ajoelhou e agradeceu a São Jorge, santo de sua devoção e intimidade.
- Viu, meu santinho, como a gente pode ser velha e esperta ao mesmo tempo? Aposto que o senhor não esperava essa de mim, né? Pois caiu do cavalo. Desculpa a brincadeira, meu santinho. Agora, com todo respeito, quero lhe agradecer por ter me dado tanta inspiração pra inventar uma história tão comovente.
Os rapazes continuam agindo na área, mas quando vêem dona Arminda – que sai à rua a qualquer pretexto – atravessam mais do que depressa, achando que aquela velhinha vive dando o golpe dos vinte reais.
Do alto dos seus 87 anos olhou o mundo pela janela da cozinha e resolveu o que ia fazer do seu dia. Sairia para pegar dinheiro no caixa eletrônico, coisa que a fascinava.
Que invenção maravilhosa! - pensava. O meu sonho era ter uma caixinha dessas aqui no meu quintal. Eu plantaria umas roseiras em volta dela, colocaria uns banquinhos e chamaria minhas amigas para virem pegar dinheiro sempre que precisassem. Ia ser o máximo!
Depois de tomar o seu café, e alimentar os passarinhos, saiu para pegar o dinheiro a fim de comprar os presentes dos seus netinhos. Nunca deixava de presenteá-los no dia da criança, embora eles já tivesse mais de trinta anos.
Pegou a bolsa, conferiu os documentos – nunca saía sem eles- e partiu.
Na segunda esquina encontrou o caixa eletrônico. Entrou e começou a procurar o cartão. Quando o encontrou viu que dois homens entraram também para usar o caixa ao lado. O seu sexto sentido a fez pressentir que eles não pareciam cidadãos acima de qualquer suspeita.
Calma - disse a si mesma - enquanto maquinava um plano. Dirigindo-se ao mais mal encarado, como se fosse uma velhinha ignorante, disse: moço, será que ocê podia me ajudá? Tô cum pobreminha com o meu cartão, já tô vindo lá do outro caixa, mas num consegui tirá o dinheiro. Eu devo de tá fazendo alguma coisa errada. Minha neta já me ensinó dez vez , mas eu sou uma velha ingnorante.
- Claro, minha tia! Diga o seu código pra ver se eu dou mais sorte.
Ih, meu filho. Eu sempre ouvi dizê que a gente não deve dá o número pra ninguém, mas tô confiando em ocê, o número é 201036.
O rapaz colocou o cartão, digitou o número e recebeu a resposta: código incorreto.
A sehora deve ter se enganado, confere direitinho.
Não. É esse número mesmo. Eu não ia errá a data do nascimento do meu filhinho. Foi por isso que eu botei esses número. Eu não ia podê esquecê essa data mesmo que eu quisesse. Imagina o senhor que o parto dele foi muito difícil. Eu sofri muito, perdi muito sangue e quase que eu morro.
Não precisa me contar não. Se foi um sofrimento pra senhora é melhor não recordar pra não sofrer novamente, vamos tentar mais uma vez.
O rapaz já estava simpatizando com a velhinha, que começara a chorar.
- Ah, meu filho, você não sabe o que é vê uma pessoa sofrendo em cima de uma cama e a gente não podê dá alívio pro seu sofrimento. Meu marido tá cheio de dor, quase não pode se mexer e eu precisava de vinte real pra comprar o remedinho dele.
- Juca, disse o rapaz, dirigindo-se ao seu companheiro – arranja aí vinte paus pra dona.
- Pô rapaz, não foi pra isso que a gente veio aqui – resmungou a cara, metendo a mão no bolso.
Dona Arminda, sentindo-se salva e esquecendo-se de que era uma mulher ignorante, lhes agradeceu.
- Muito obrigada, meus filhos, que Deus seja magnânimo com vocês que sabem sê-lo com uma senhora idosa como eu.
Depois de alguns instantes os dois se entreolharam, mas dona Arminda já estava longe. Só mais tarde se deram conta de que aquelas palavras de agradecimento não eram compatíveis com uma senhorinha ignorante. Eles haviam sido enganados sole-nemente.
Dona Arminda saiu depressa, entrou na primeira farmácia que encontrou pra comprar o remedinho do marido que já está embaixo da terra há uns vinte anos, e pediu um copo d’água com açucar. Afinal não está mais em idade de aveneturas.
Ao chegar em casa se ajoelhou e agradeceu a São Jorge, santo de sua devoção e intimidade.
- Viu, meu santinho, como a gente pode ser velha e esperta ao mesmo tempo? Aposto que o senhor não esperava essa de mim, né? Pois caiu do cavalo. Desculpa a brincadeira, meu santinho. Agora, com todo respeito, quero lhe agradecer por ter me dado tanta inspiração pra inventar uma história tão comovente.
Os rapazes continuam agindo na área, mas quando vêem dona Arminda – que sai à rua a qualquer pretexto – atravessam mais do que depressa, achando que aquela velhinha vive dando o golpe dos vinte reais.