Faltam quatro

Quatro anos passam rápido.
Tenho um companheiro zombador,
o espelho alongado do banheiro,
que além de roto pelas beiras,
anda meio debochado.
Por mais que eu vague pela casa
retorno para ele e me observo.
Sorrio desbotado para ressaltar
as rugas, que sem
muito esforço já aparecem.
Uma em especial, aliás duas,
surgiram há alguns anos
e vieram para ficar.
Os cabelos brancos se firmaram
e já não aceitam o Grecin cremoso.
Dias desses a Joh até inventou
que me queria ver barbudo,
mas os pelos brancos mancharam
a pele do meu rosto malencarado.
Ainda bem que ela se divertiu com a minha agonia.
Retorno para o espelho, no banheiro,
com a desculpa da incontinência urinária,
mas, na verdade, é para mais uma vez
me observar e constatar que
faltam quatro...
Espio as orelhas para ver se
de fato sempre crescem.
Ainda não percebi essa desproporção.
Tomara que comigo falhe,
pois acho horrível orelhas grandes.
Tenho bela voz, é o que dizem,
experimento falar, resmungar
qualquer coisa e percebo que
devia ter a voz um pouco mais grave,
mais madura, talvez, pois faltam quatro.
Preciso orquestrar os meus gestos
para ensaiar a terceira, que logo virá.
Apresso-me em sair da frente
do espelho debochado
e sinto-me normal, jovem,
aliás, dizem que somos sempre
jovens se nunca nos olharmos
no espelho.
Faltam quatro, mas caminharei
com passos firmes para a terceira.
Que venham as rugas, as feiras e
as enfermeiras, as enfrentarei!