Benedito Saci

Há quem diga que não exista. Eu creio nele, aliás, conversei com um faz pouco tempo. Ele me ajudou a ver o mundo de outra maneira, bem mais colorido.

Andava angustiado com os problemas financeiros e de minha saúde. O sofrimento emocional não me largava a mão. Sentei-me numa pedra no caminho do pé da montanha que estava rodeada pelo enorme bambuzal. Ali fiquei longas horas, preso em meus pensamentos circulares.

Ele saiu do meio do bambuzal, meio capenga, até pensei que era um velho que caminhava em minha direção. Mas não. O próprio ser lendário, de chapéu vermelho e cachimbo, foi se achegando. De perto, não me pareceu a figura do rei das traquinagens, antes disso, era um jovem homem, negro e esbelto, apoiado numa perna só, tinha à mão uma muleta, contudo, sem dúvida, seria um rei neste mundo que valoriza a beleza física mais que tudo, sem contar, muito educado e cortês, logo me cumprimentou, curvando-se, e foi dizendo numa voz radiofônica para não andar por aí tão preocupado, pois a vida não merece isso. Então me orientou, de imediato, que é preciso ser humilde o suficiente para entender tudo aquilo que o presente momento requer de nós para não desanimarmos, mantendo a confiança plena que algo maior exista para trazer a ordem quando o caos se instala. Num gesto do cachimbo, como mágica,limpou meus pensamentos, fazendo-me sentir que todas as dificuldades que superamos são melhor alcançadas quando temos uma mente livre e vazia, pois uma cabeça empanturrada de preocupações não pensa bem, assim como uma barriga extremamente cheia dá indigestão. Quando minhas dificuldades se apequenaram em meus pensamentos, me assegurou que não seremos felizes enquanto não nos esvaziarmos de tudo aquilo que nos preenche em demasia, que rouba nossa tranquilidade ou, que ocupa nosso tempo findável. Ensinou-me a buscar apenas aquilo que seja suficiente, respeitando a atitude de permitir que nasçam ou cresçam outros ao nosso lado. Disse então que temos que cultivar a solidariedade. Que um precisa do outro. Que entrar numa comunidade para atuar no crescimento coletivo é melhor, do que outros hábitos solitários ou inócuas que nos ocupamos. Pensei logo que, se a meta é o crescimento, nunca deveríamos mesmo valorizar o marasmo, nem a omissão, mas buscar as virtudes. Falou-me algo óbvio, que eu nunca havia refletido antes: " o que se tem para cima, também se tem para baixo". Assim na terra como nos céus, ora !

Assustado, me perguntava como ele sabia tanto sobre os meus dilemas, quando ele, de pronto, respondeu que fazia leitura dos pensamentos dos outros, porque do lugar em que veio, isso era comum de se fazer , sendo sinal de grande educação e amor fraterno.

Continuou então a me explicar que ter humildade diante das dificuldades é se curvar diante de todos, a todo momento, sem ter vergonha disso. Também que manter a firmeza interior é ter a certeza de ser consciente e determinado. Então, tem que se curvar e ser firme, tudo junto para recuperar seu poder.

Quando eu estava embasbacado diante de tanta sabedoria, a figura lendária finalizou seus ensinamentos, dizendo que, por vezes, antecipamos os fatos para que aconteçam rapidamente e, consequentemente, ficamos impacientes diante da demora nos resultados ou arrependidos por sua prematuridade. Se o objetivo for de se alcançar resultados imediatos, corre-se o risco de prejudicar o alicerce, e assim, até mesmo de perder-se tudo. Daí, o dever de firmar as bases ou de buscar as raízes. Isso nos tornam elegantes, sem ser tidos como orgulhosos, deixa-nos altivos, sem sequer ser arrogantes e nos mantém bastante firmes, sem ser por demais rígidos.

O sujeito parou de falar e, apoiado na muleta, voltou para seu recanto, no meio dos bambus. Tinha acabado de conhecer o legítimo Saci. De lá de onde estava, ainda me fez ouvir que seguisse o caminho dos bambus, os quais tem uma maneira única de brotar e crescer, quando plantado com sementes: os grãos plantados demoram bastante tempo para brotarem do solo, primeiro se adaptam a ele, depois geram pequenos brotos que permanecem aparentemente inertes. Eis que esperam anos para as raízes atingirem sua expansão, a partir do qual os brotos começam a se projetar para cima e para os lados, crescendo exponencialmente no ambiente saudável. Na maturidade, atingem vários metros de altura e largura, lado a lado com seus iguais na vida em comunidade. Nos temporais, as maiores árvores resistem até se quebrar ou perder muitas ramas, mas os bambus são resilientes, vivendo numa maleabilidade extrema que permite manter a altivez, após o maior dos vendavais.

Bendito Saci! O melhor bambu-terapeuta destes trópicos!