Vai nessa

Parece que estive me procurando o tempo inteiro. Não sei onde estive. Desapareci do mapa. Pensei até em telefonar-me, passar-me um e-mail, coisas do gênero. Esquisito. Acho que fez um barulho dentro de mim, um sinal qualquer querendo dizer que eu não estou sentado em frente desse laptop, não há sinais de mãos em mim, eu nunca vi ninguém, não sei o sobrenome de ninguém, nunca me vi, não me conheço, nunca me vi jantando na hora do almoço. Acho que não presto para nada. Que tal eu me jogar fora? Dizem que nada se perde, tudo se transforma... quem sabe assim, jogando-me fora, eu serviria para alguma coisa, teria mais valia... O problema é que não me acho, desconheço o meu passado, meu presente é de grego e meu futuro está no passado que nunca entendi, penso que meu passado está no meu presente, presente que ignoro completamente, sem espaço para futuro algum. Estou vazio de mim. Mas prossigo na minha procura, quero identificar-me, certificar-me que esses pés que por um segundo consegui ver que são meus realmente, só que creio que pertencem a outra pessoa, que está de alguma forma ligado aos pés de outra pessoa e que certamente talvez seja de um sujeito que nunca vi, porque se nem a mim eu vejo, como eu poderia ver que havia um sujeito sentado na mesa do bar, que não era bar, que usava bigodes, que não tinham capilaridade nenhuma? Acho que estava na penumbra de mim como um fantasma, como alguém que acabara de virar gás, sumiu, evaporou, foi para o céu, virou nuvem. Como? Absurdo. E o meu pensamento? Eu tenho um invólucro ainda que eu não o vejo. Não existe pensamento descorporificado, o pensamento necessita de carne, ossos, dentes, unhas, neurotransmissores, cabelos, fígado e não sei mais o que pra poder pensar. Mas como posso pensar numa coisa dessas se nem pensamento eu tenho? O problema é como lidar com esse bicho papão. Algo me diz que já fui feliz, já tive pensamentos felizes nos braços de Rosely, tive sim pensamentos de beijos que se materializaram, vibraram, viraram música e filme romântico dentro de mim. Sim, tive pensamentos felizes. Fui feliz ainda que por pouco tempo. Sim, fui feliz. Pena que nem pensamentos tenho mais, perdi-os de mim. Mas sou persistente, vou até o fim e acho-me. Pelo menos, acho. Mas como posso achar alguma coisa? O que você acha? Eu acho que sou você. O problema é que não sei quem é você. É certo que não estou nem na terceira, nem na segunda e muito menos na primeira pessoa. Desgramaticalizei-me. Não me conjugo mais. No entanto, fico feliz porque já tive pensamentos felizes. Quando eu me encontrar... vou batalhar muito nesse sentido, vou fazer versos e escrever cartas para mim, inventar canções e filmes para mim, passar mais e-mails para mim, usar mais o telefone fixo para mim, fixar-me em mim, tudo para mim, só para mim. Vou pedir ajuda à polícia para poder me localizar, vou me panfletar em cada esquina, em cada rua da cidade, vou deixar avisos em bares, cafés, cabarés, em tudo quanto há, vou até os jornais e aos canais de televisão, vou botar toda a mídia em ação. Alguém há de me achar, caso eu não me ache. Depois que eu me encontrar ou me encontrarem, aí sim... adeus solidão, serei feliz, e convictamente feliz, porque terei sempre pensamentos felizes. Pensamentos que beijam, deitam e rolam em camas de Roselys... açúcares, néctares, méis.. Vai nessa!