VIDA DE GADO

 

     Tentei ser tudo na vida: ser poeta, seresteiro, eletricista, lanterneiro só faltou-me um grande letreiro convidando para estrebaria.
De gado não entendia nada, para mim uma boiada é o fim do picadeiro.
     Em busca de solução encontrei com um irmão, dizendo ser fogueteiro, varejista o dia inteiro, sem planos, sem dinheiro um guardador de ilusão.
     De um tom um pouco áspero cuspiu em um grande talo, com o bolso todo furado me pede um tostão.
Rolando as botas vai à vida, nos beiços uma grande ferida, pendurado no pescoço um cordão.
_ Irmão a vida é curta. Não vale nem uma disputa, quanto mais ser campeão _ Dizia ele.
     O pai um pouco iletrado; do Sertão até o solado de barro de um peão, tudo que aprendeu foi na enxada, no peito a mágoa trazendo com entusiasmo de dois grandes calos na mão.
     Acorda ao som das mêlos dos galos, o coro frenético e entoado, sempre apetitoso, encorajado vai o homem para sertão.
     A terra seca gemia, o suor do matuto escorria; mas quando dava meio-dia, está na hora do rangão.
     Na cuia um punhado de farinha; do outro lado os milhos das galinhas, sempre resmungava Maria.
_Cumé Zé quedê a freguesia?
     Zé abaixava a cabeça, tirava as botas que cheiravam a chulé, e com um olhar piedoso e manso dizia com fé.
_Para com isso mué...
     Zé ficava atrapalhado; dos anos só de sapato, já ia beirando uns quarenta e cinco, um mulato muito retinto conhecia o sertão como a palma de sua mão.
     Mas como nesse mundo o que vale é quem tem dinheiro, Zé comprou uma água de cheiro, pediu ao caminhoneiro que o levasse do e Sertão.
     Maria esguichou-se os olhos quando viu a criatura, disse que desconjura, tomou-se de uma boa postura, quase lhe mandou um bofetão.
Zé não parecia mais aquele matuto; Maria ficaria de luto e Zé sorridente no caixão.

Celso Custódio
Enviado por Celso Custódio em 19/06/2018
Reeditado em 11/11/2021
Código do texto: T6368376
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