Meu pijaminha de flanela

Eu gosto muito do inverno, sempre gostei, desde minha infância.

Hoje, as crianças usam agasalhos de moletom, mas nós usávamos pijamas de flanela.

Quando se aproximava o inverno, minha mãe logo comprava metros e metros de flanelas de várias cores, para fazer nossos pijamas, que eram confeccionados por suas habilidosas mãos e com acabamento perfeito. Os paletós eram abertos na frente, com botões, gola e dois bolsinhos na parte de baixo (nunca entendi o motivo deles) e a calça não tinha detalhe, só o elástico que prendia na barriga.

Tínhamos pijamas de várias cores, mas meus preferidos, e que eu guardava para os domingos, eram os estampadinhos com florzinhas que mãe comprou a flanela em Ponte Nova.

O pijama de flanela marca a melhor fase de minha vida.

Antes de escurecer o dia, mãe nos colocava para tomar banho, que às vezes era de bacia ou de caneco, dependia da quantidade de fogo que teve no fogão a lenha durante o dia para esquentar a água da caixa através da serpentina. Se não foi suficiente ela esquentava água no caldeirão e temperava na bacia. Depois do banho, cada um vestia seu pijaminha de flanela, calçava sua meia e enfiava os pés com meias nos chinelinhos. Era difícil no início, mas assim que a meia cedia no meio do dedão pra encaixar a borracha do chinelo, ficava fácil.

Bom, o banho significava que a partir daquele momento começaríamos a ser cuidados.

Depois do banho, mãe nos servia o jantar que era uma sopa, mingau de couve com bolinho de ovo, um mexido ou um mingau de fubá ou maisena com canela e como no inverno os dias são pequenos, assim que terminávamos de comer, íamos direto pra cama dos meus pais. Não tínhamos televisão e nossos poucos brinquedos imundos de terra não podiam ficar na cama, então inventávamos histórias, enquanto mãe arrumava a cozinha e guardava o jantar de pai. Cada um tinha de inventar uma história e elas sempre começavam com algum objeto que olhávamos. Tony tinha obsessão pelo vaso de tinhorão de mãe e sua história era sempre “O Tinhorão e o Cubêrto”, que nada mais era do que o tinhorão e o cobertor.

E quando eu reclamava que ele estava repetindo, argumentava:

_ Não, o nome é o mesmo, mas a história é diferente!

Era nada, mudava só umas coisinhas pra nos enganar.

Quando mãe terminava seu trabalho, também se aninhava ali e começava com suas histórias preferidas, Dona Cabra e os sete Cabritinhos, O Homem do Saco e Os três porquinhos. Depois que pai fechava a venda e jantava, era hora de se deitar conosco e contar as suas histórias. Pai também inventava muitas, mas seus personagens eram sempre Sô Bode, Dona Onça e Sô Coelho, esse sempre muito esperto, passava a perna em todos.

Hoje percebo que mãe, com suas histórias, nos ensinava sobre os perigos da vida e pai queria que fôssemos espertos e vivos diante das situações difíceis da vida e que delas deveríamos sair rindo e comemorando como o Sô Coelho, pois a vitória era certa.

Com o inverno é claro que chegava todo pacote, gripe, resfriados, muita tosse e muito catarro. E para combatê-los mãe tinha lá suas armas, coisas que ela tinha aprendido com seus pais, que aprenderam com seus pais e por aí o trem seguia, sem falar das novas dicas das amigas, o tal do chá de erva doce torrada com gordura de galinha, leite queimado com canela, vários outros chás adoçados com mel e aquele horror imposto por pai: café com manteiga. Eles diziam que tudo isso soltava o catarro do peito.

As noites frias eram uma função gostosa, cheia de ternura, aconchego e cuidados, o que não acontecia no verão, pois aí estávamos brincando na praça, depois do jantar, enquanto pai e mãe estavam sentados na porta conversando com os vizinhos.

Assim que acordávamos seguia o ritual do frio. Novos chás, leite queimado, muita canela, muito mel e sol, no terreiro ou na praça, para continuar soltando o catarro. Ô catarro danado! E aquilo escorria feito vela se queimando e naturalmente limpávamos o nariz nas mangas do pijama de flanela ou na barra do paletó.

Engraçado, naquela época parecia que o sol brilhava muito mais no inverno, chegava a doer os olhos quando finalmente éramos liberados para sair.

Não me recordo quando trocávamos o pijama de flanela por roupas comuns durante o dia e até mesmo se trocávamos, mas sei que depois do banho, lá estava em cima da cama, outro limpinho e passadinho esperando pelo aconchego da noite.

Hoje, cá de cima dos meus 57 anos, dentro do meu moletom, sinto falta, muita falta do meu pijaminha de flanela.

Hoje, analisando tudo que existe nesse mundo de meu Deus, eu só queria o meu pijaminha de flanela e tudo que ele representava em minha vida de menina.

Hoje, na verdade, eu só quero mesmo o calor, os cuidados e o aconchego que estavam dentro do meu pijaminha de flanela e se tiver catarro, também será bom, muito bom!

Izis Lima
Enviado por Izis Lima em 19/06/2018
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