Chega das sabatinas

Quando estou quieto no meu canto, entro nos meus pensamentos, até que a minha própria mente vem fazer suas trapaças comigo. O cérebro é um péssimo professor que esquece as boas coisas, porém relembra os erros passados, como que precisasse pedir para rechecar a aprendizagem. A mente me faz sabatinas frequentes !

Trouxe de volta aquele dia que precisei simular passar mal na frente de mais de cem pessoas, porque deu branco no meio da palestra. Teve o dia que me declarei apaixonado para a garota insinuante , no entanto a mais falsa da turma. Aliás, foi o mesmo dia em que gastei o vidro de colônia Kaiak para mudar meus odores juvenis. Nunca mais gostei dessa essência. Houve um dia que fui desfilar na fanfarra do colégio durante o dia da independência, sem uniforme de gala, somente eu. Lembro me sentir como um ornitorrinco no meio de um cardume de salmões. Pior foi que o treinador da fanfarra não me deixou sair do meio da formação em marcha, mas ao final me deu uma repreensão pela falta da túnica vermelha. Dai veio da mente, o dia que em me deu um sermão público aquele meu comandante da guarda mirim: falou que eu jamais seria promovido, após me ver fazer o inconfidente relato aos amigos do incidente com ele dentro da delegacia, mas acho que foi mesmo devido a me ver aplicar multas no cruzamento, no qual o vermelho do único semáforo da cidade era desrespeitado, inclusive para a esposa dele no volante, com ele junto. Lembro-me também do dia que tentei me comunicar em inglês com "Mr. Michell", que não tinha este nome, mas eu o chamava desse jeito, desde que ele se apresentou para mim com seu "Nice to meet you". Outras lembranças de equívocos vergonhosos me vieram à lembrança , como da péssima voz de comando para a turma Pandiá Calógeras no acampamento do curso de formação militar na Bahia, das três festas feitas no dia do meu casamento, da bituca de cigarro, levada à vigilância sanitária após ser encontrada no interior do pão comprado pelo freguês e da minha recusa de adolescente "nerd" em dançar com as primas na festa de aniversário de uma delas. Por causa destas pífias atuações, até hoje tenho sonhos, bastante parecidos com pesadelos.

Na sabatina, cada vez mais diária, preciso silenciar a mente. O choque químico não resolveu. A busca por informações no celular e tablet para ocupar a mente não funcionou: "Zap" é exatamente o contrário de paz. Agravou tudo. Procuro então a psicoterapia, mas aquela terapeuta não entende essa linguagem. Começo a pescar para, preocupado com a isca na fisgada do peixe, deixar a mente em transe. No início, até funcionou bem, depois me via no meio das turbulências malditas que até os peixes afastavam, mas não saiam de perto de mim. Um amigo me disse para praticar a meditação. Isso sim. Fiz e faço. Hoje ouço este som maravilhoso a me transportar para meu verdadeiro lar. Ouço as batidas do meu coração. Tum tum! Eu o acaricio mentalmente. Respiração profunda. Tomo consciência de que respiro e inspiro. Assim acalmo a mente inquieta que me deixa em paz. Chega das sabatinas. A mente mente.