O meu sorriso
"Que alívio!", pensei na exclamativa assim que pus meus pés na rua e emendei "ficar 2 meses hospitalizado não é mole não". Devidamente aliviado, tratei de entrar no primeiro botequim que apareceu na minha frente. Queria torresmo. Sim, já estava cansado daquela comida rala e sem gosto de hospital do SUS.
De cara, notei que minha voz não era a mesma, parecia que uma corrente de ar saltava da minha goela desgovernadamente chocando com as paredes internas das minhas bochechas, de modo que quando pronunciei "um pratinho de torresmo" a minha voz parecia imperceptível até para mim mesmo, a palavra da frente empurrava a palavra que vinha atrás e vice-versa, uma esculhambação vocálica, a frase ficava chacoalhando dentro da boca, só alcançava o exterior com muita dificuldade, fé e dura paciência. Assim que coloquei o torresmo na boca é que percebi por completo que havia esquecido o meu par de dentaduras no hospital, estava zero de mastigantes.
Nem tanto pelo torresmo, eu diria quase nada, tratei logo de voltar para o hospital a fim de me apoderar do meu sorriso.
Eu só pensava durante o trajeto "não dá pra viver sem o meu sorriso... não dá... sem ele... não... não em absoluto".
Em meio a gargalhadas e deboches, comuniquei com a maior dificuldade do mundo o ocorrido ao pessoal da recepção do hospital.
"Tanto faz, deixa rir, eu só quero meu sorriso de volta, nada mais", pensei enquanto uma das moças subiu até o andar em que eu estava internado para ver se localizava a minha prótese dentária, mais conhecidas como perereca bucal.
Assim que a moça voltou, não dei a mínima para a cara de nojo dela. O importante é que ela veio em minha direção e veio com o meu sorriso envolto em papel para limpar a mão.
"Beleza", pensei ao pegar no meu sorriso e tratei imediatamente de calçar a minha boca ali mesmo. Feito o serviço, dei de costas para o pessoal da recepção, e sai feliz da vida com o meu sorriso de volta... viver sem o torresminho até que dá, mas é impossível viver sem o meu sorriso.