Crônica pela passagem do 58ª aniversário de meu pai
Depois de sete anos morando longe, retornei para casa. Passado alguns meses, eis que a vida me desafia de novo. Chamando meu pai a um canto, disse: “Pai, estou pensando em ir embora...!”. Com tristeza no olhar e na voz ele disse: “mas já, acabou de chegar e já quer nos deixar de novo”. Quando este diálogo aconteceu já fazia quase nove meses que tinha voltado para casa. Nove meses para mim é um tempo simbólico, pois é o tempo em que passamos a existir e nascemos. Não falei, mas pensei comigo: “pois é, já é tempo de nascer de novo”.
Meu pai é um pai que não teve pai. Ou melhor, veio a conhecer seu progenitor depois dos 50 anos. — Perdoe-me, fui injusto com minha vó, Joana das Dores, e com meu tio, “Diquinho”, pais de meu pai, e foram ótimos pais — Mas, seu sonho sempre foi conhecer seu progenitor. E quando esse dia chegou, ele ignorou todos os anos passados de ausência. Acho mesmo que nem perguntou: Por que só agora, depois de 50 anos? Não lembro o dia da semana, apenas que era manhã quando aquele homem baixinho chegou em casa chamando meu pai de filho e pedindo perdão. Meu pai o abraçou e conversaram a beça. Andavam de mãos dadas. Naquele dia, vi meu pai voltar a ser criança sendo conduzido pela mão de seu pai. Percebi que aquele gesto, embora simples, significava muito para ele. A lágrima que agora teima em cair de meus olhos, relembrando aquele dia, é pela grandeza do gesto de meu pai. Claro, também pelo gesto de meu avô, que enfrentou a vergonha de seu erro, e mesmo depois de tanto tempo, voltou para pedir perdão, e não achou que seria tarde demais. E teve sorte que meu pai não cresceu revoltado com raiva de sua ausência, pelo contrário.
Imagino o quanto que foi dolorido para meu pai me ouvir dizer pela segunda vez “estou pensando em ir embora”, não só a mim, mas a cada um de meus irmãos. Perdoe-me pai por esta frase dita duas vezes. Obrigado por ter me mostrado com seu exemplo que perdoar é melhor para vida que brigar; por estar sendo este pai que na maioria das vezes me lembra a vó “Dores”: carinhoso, que briga e luta pelos seus. E além de tudo, que por mais que lhe doía no coração, obrigado por após ouvir a dolorida frase dizer cheio de afeto: “se é para a tua felicidade, vá com Deus. Saiba que seu velho pai sempre vai estar aqui, a casa estará no mesmo lugar e as portas estarão sem as fechaduras”
Antônio Trindade (meu pai), parabéns pelo seu aniversário!
Brasília, 13 de junho de 2018.