Louvação à Beleza
Foram tantas as vezes que companheiros de viagem intermunicipal, ou interestadual trouxeram-me praticamente a crônica pronta em seus relatos, que posso afirmar: “se viajasse mais vezes, meus textos em crônicas seriam muito mais numerosos".
Penso que já especulei sobre as razões da facilidade dessa ocorrência: a primeira é que quando estranhos se encontram em situações que favorecem a aproximação, as almas conseguem expor-se pela probabilidade de um próximo encontro ser muito remota; a segunda por um dos dois protagonistas ser bom ouvinte e, no caso específico, estar interessado em coletar material para seus textos.
A crônica a seguir é totalmente baseada na abertura da alma de companheiro de viagem quando retornava do Rio para São Lourenço e ele para Varginha, ambos os municípios do sul mineiro.
Nascido em Reutte distrito do estado austríaco do Tirol e chegado ao Brasil por emigração compulsória de seus pais a mais de 70 anos. Johann chegou ao Brasil aos quatro anos de idade.
Como dizem que os olhos são a janela da alma, identifiquei no companheiro de viagem, que afirmava ser muito mais brasileiro do que muitos aqui nascidos, alma que revelava equilíbrio e beleza em seu sereno olhar profundo e azul.
Terminara a primeira década de junho, dois eventos estavam badalados pela mídia: a copa, com início para dia 14 com muitas esperanças na conquista do hexa; e o dia dos namorados colocando o amor na berlinda.
Enquanto caminhava pelo principal corredor do tráfego do bairro das Laranjeiras, banhado por aqueles estímulos de amor e esperança, vislumbrou o que intuiu que seria a musa de sua curta estada, naquela outrora maravilhosa, hoje aterrorizada por desgovernos, crime institucional, crime organizado, milícias e com sua função de segurança entregue, por intervenção, ao governo federal.
Sua intuição ia tornando-se realidade à medida que, aquela espécie de miragem, em aproximações sucessivas de seus, dele caminhar, dela quase um desfile, se realizavam.
Numa primeira aproximação a simplicidade é expressa em um conjunto blusa e short longo em tecido estampado, como se pintado fosse a cores delicadas e em harmonia. Arriscaria dizer que estavam presentes um azul quase celestial, um discreto sépia, ou suave mostarda, um expressivo púrpura...
Cabelos castanhos bem claros, olhos castanhos claros meio caramelados, rosto ao natural sem qualquer vestígio de maquiagem, nenhuma tatuagem nas partes nuas, como indicando, que aquela jovem, com não mais de vinte e cinco anos, reconhecia que seus destaques naturais, não merecem a concorrência alienígena.
Aquelas aproximações sucessivas, como rastilho, anunciava a explosão da expectativa da passagem lado a lado, de duas almas que pareceram se reconhecer num curto olhar e pela comunicação na troca de único, mas penetrante e decisivo sorriso.
Quanto mais se aproximavam, como numa sintonia ímpar de par em dança em salão imaginário, reduziam o ritmo de seus passos, como querendo prolongar a intensa vivência naquele tão curto encontro, muito mais para adeus do que para olá.
Esse encontro, pelo menos para o austríaco setentão, foi tão importante, que foi o motivo principal de sua prosa durante nossa curtíssima convivência de viagem.
Nenhum dos olhares e nenhum dos sorrisos poderia ser entendido como paquera, ou como fagulhas de desejos, se confessáveis, somente a meia luz acompanhada de algumas taças de vinho.
Naquele momento, o companheiro de viagem, como num estalido vindo do mais profundo de seu ser, percebeu que ela entendera que ele estava louvando a beleza, objetivada na simplicidade, graça e na empatia de seu ser. Ela retribuiu o sorriso, como estrela do palco da vida, grata à louvação à beleza encenada pelo olhar e o sorriso de Johann.
Olhares e sorrisos que tornam inesquecível o momento em que almas se contatam como num terceiro grau.
Companhias de viagem inesquecíveis...