O poeta e as gravatas

Um menino magrinho, sorriso espontâneo, tímido, diferente, sim, diferente, diferente seria a palavra exata, desceu a Rua do Clamor, depois entrou num beco sem saída e foi tomar sorvete na Sorveteria do Passado.

Notei que aquele menino tinha jeito, prometia, rimava com facilidade, as palavras caiam no papel cheias de graça, tudo ali, na pinta, na veia, rimado, ritmado; mente inventiva. Ele não era bom de bola, queria sempre que a bola chegasse até ele, às vezes soltava pipa, não era do tipo mais bonito que os outros, era mais que isso: era poeta.

Depois, ele foi crescendo, virou adulto e se apaixonou por gravatas. Eu lhe disse: - deixe disso, seu moço! tá com frio no pescoço? ou quer se enforcar? Mas ele nada disse. "Acho que nem me ouviu, era natural que não me ouvisse, eu era mais novo, o meu falar nenhuma valia tinha”, matutei comigo mesmo.

E assim o moço foi deixando o lápis de lado. Eu ainda tentei alertar: - que burrice! e disse mais: - olhe, poesia e gravata não se misturam: são como água e óleo, mão e contra-mão. A história, como sempre, se repetia: eu calado já estava errado!

E a vida seguia assim: quanto mais gravatas conseguia, mais gravatas ele queria. Em compensação, a vontade de fazer versos minguava cada vez mais.

Finalmente, o moço entrou para o mundo encantado das gravatas, assumiu aquilo de vez, a sua vida se resumia em exibir suas gravatas.

No início, tudo era festa... afinal, uma gravata sempre ajuda a outra.... a se enforcar! Mas ele não percebia nada disso.

Quando a gravata apertou demais e começou a sufocá-lo, então ele começou a achar que tudo no mundo era inveja, a inveja comandava o mundo. Pena que não entendeu que um verso forte, muito mais poder de fogo tinha que todas as invejas e gravatas do mundo juntas.

Num momento de desvario e penar, pensei em ir até a Sorveteria do Passado e trazer aquele menino de volta, tirá-lo, de vez, daquele beco sem saída.

Mas ficou só num sentimento calado, sufocado, absurdo, distante e impossível, que só a sede do sorvete da ambição explica, ambição que mata ou gela corações.