Sete a um

Sou liberado do serviço na hora do almoço e volto para casa: é dia de jogo do Brasil. Não estou lá muito confiante e botei 2 a 0 para a Alemanha no bolão. Mas, que diabo, eu prefiro que o Brasil vença a partida a ganhar o bolão. Vamos torcer, é claro, apesar do Fred. Estamos sem Neymar, mas isso já aconteceu em 1962. O Pelé se machucou, entrou o Amarildo e mesmo assim fomos campeões. É só fazer o mesmo. Hoje em dia, o Amarildo está com mais de 70 anos, mas joga mais do que o Fred. Falo, falo, mas torço para que o Fred faça três gols hoje e peça música no Fantástico. Cheguei a sonhar que o Brasil jogava com quatro volantes. Mas não pode ter medo! A Alemanha tem um bom ataque, mas o seu goleiro é meio nóia e, se apertar, ele entrega o ouro.

Bem, bem, começa o jogo. Modéstia à parte, eu sempre me destaquei pelos comentários precisos que faço das partidas a que assisto. É por isso que, com cinco minutos de jogo, eu já sou capaz de dar um panorama geral, e ele é o seguinte: os alemães estão com medo do Brasil! O goleiro e a zaga estão trocando passes lá no campo de defesa, os caras nem pensam em ultrapassar o meio de campo. Só o Brasil que ataca, só o Brasil que joga! Essa vitória é nossa.

Bem, agora a Alemanha passou do meio de campo, mas nada que possa assustar. Esse time da Alemanha, na verd... Gol. Gol dos caras. Pelo amor de Deus, cadê a marcação? Aí fica difícil. Os caras têm uma única chance no jogo e fazem o gol. Agora é “correr atrás do prejuízo”, como diz o outro. Vai, Marcelo, chuta direito. A minha vizinha de quarto aparece e pergunta quanto está o jogo. Ela não está assistindo, está limpando a casa. Eu respondo e digo que dá para virar. Principalmente se o... Gol. Outro gol! Não boto fé! Um gol até que dá para buscar, dois já é bem mais... Gol. MEU DEUS! O QUE É ISSO, VIROU GOLEADA AGORA? Virou passeio, um chocolate, uma vergo... Gol. AAAAAAAAAAH! E lá vem os caras de novo, meu Deus, que absurdo, diz o Galvão, que absurdo, que absurdo. Gol.

(...)

CAIAM, JOGADORES! FAÇAM O FAVOR DE CAIR EM CAMPO! Se um time tiver menos de sete jogadores em campo o juiz é obrigado a encerrar a partida! Eu não estou interessado em honra, valor, em nada disso. Apenas acabem com esse vexame! O que mais tem pra ser jogado? Não vai mudar nada!

Vem a vizinha de novo. Quer saber quanto está, se o Brasil já conseguiu virar. Como contar a alguém que é chegado o apocalipse? Talvez fosse o caso de simular um ataque epilético. Não respondo. “Henrique?”. “Ainda estamos perdendo”. “Mas de quanto?”. “COF COF a zero”. “Quanto?”. “Cinco a zero. E cabe mais”. “Meu Deus!”. Nessa hora, eu penso se não devia começar a limpar o meu quarto.

Vem o intervalo. Eu mudo para a Band, e foi bom, porque o Neto soltou uma pérola que hahaha, não paro de rir hahaha. Juro pra vocês, o Neto está falando em “tentar empatar”. Só por Deus mesmo. O juiz apita, começa de novo essa desgraça. Agora é ficar todo mundo lá atrás para não levar mais. Mas não, os caras atacam, chutam, VAI! Argh, nem para fazer o gol de honra. Agora, agora! HAHAHAHA!!! O BRASIL TÁ PERDENDO DE CINCO A ZERO E O PAULINHO TENTOU FAZER UM GOL DE BICICLETA! Só rindo mesmo. Gol. GOL! Agora a gente grita junto. GOOOOOOOL. Virou piada. E lá vem eles, lá vem eles... GOOOOOOL!!! Tem até foguete. A vizinha vem de novo. TÁ SETE A ZERO, VIZINHA. Agora tenho certo prazer no sofrimento.

Gol do Oscar.

Finalmente acabou. A turma de 1950 enfim pode descansar em paz. Fomos humilhados dentro de casa. Mas nunca perdemos uma guerra mundial.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 09/06/2018
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