Flagelo humano

A estadia no terminal rodoviário era sempre um lamento. Filas imensas, longas esperas, empurra-empurra, gritaria, reclamações e maldizeres. Como se já não bastasse o descaso com o bem-estar do cidadão, a higienização do local era precária e grotesca. Que sofreguidão!

Em meio ao caos lamacento da dura realidade estava a repugnante criatura, sentada no chão de uma calçada imunda e malcheirosa. Estava em frangalhos, maltrapilha, suja, fétida, os cabelos infestados de piolhos, emaranhados e gordurosos, a pele em carne viva, as feridas purulentas abertas.

Comia desesperadamente restos de comidas descartadas pelas pessoas usando apenas as mãos grossas de sujeira. Àquela altura, tudo o que importava na vida (se é que aquilo poderia ser chamado de vida) era matar a fome e sobreviver até onde desse, até onde o corpo sofrido aguentasse. Era guiada apenas por um instinto animalesco. Nada mais que um instinto.

Não mais tinha esperanças em dias melhores, não mais tinha perspectivas, não mais tinha dignidade... Sabia que estava fadada ao fracasso e ao abandono total. Fazia parte do submundo, da escória da sociedade, da marginalidade implacável e obscura.

A condição lastimável da criatura causou frenesi entre os transeuntes. Uns a observavam com repúdio e desprezo. Outros, com pena e nojo, jogavam-lhe alguns trocados de longe. Todos, perplexos, a olhavam curiosos. Houveram no momento muitos olhos julgadores: Onde estaria a família? Com certeza as drogas a destruiu. Se ao menos tivesse Deus no coração... Alguns cochichavam entre si a situação daquela pobre alma desafortunada. Demonstravam revolta e indignação. Era importante filmar, fotografar e escrever um texto de fúria nas redes sociais, demonstrando todo o inconformismo humano diante daquela vida lamuriosa.

Ninguém, no entanto, foi capaz de estender-lhe a mão e oferecer uma ajuda que fosse capaz de tirar-lhe daquela condição miserável. Faltou-lhes solidariedade verdadeira.

Nenhuma desgraça, entretanto, causa comoção por muito tempo. O sensacionalismo some na medida em que acaba a curiosidade humana. É tudo momentâneo. Num minuto todos eram tocados profundamente, num outro aquilo já perdia o interesse, e as pessoas, com seus egoísmos inatos do ser humano e com seus "milhões de afazeres", seguiam seus rumos. Ficava para trás só mais um ser infeliz, praticamente desprovido de vida, que por um instante os fez parar de reclamar de suas fúteis dificuldades (para a maioria dos que ali estava, singelas dificuldades na frente das dela). Todavia, passou. E voltaram a suas rotinas normais, calma e serenamente, como deve ser (como deve ser?).

Hora de pegar a condução e voltar para casa.

Aline Teodosio
Enviado por Aline Teodosio em 06/06/2018
Código do texto: T6357412
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