Árvore solitária

Andando pela estrada daquele campo, me chamou atenção a solitária árvore na beira da pista. Habitava naquele deserto de chão duro e o asfalto escuro ao seu lado, isolada na beira do barranco sob um sol de quase 40°. Quase sem água para molhar suas raízes, era o único pau lenhoso, em um raio de alguns quilômetros, sustentando uma massa de ramos secos e confuso, revelando que ali já fazia tempo que não chovia.

Árvore solitária

Da família das acácias – assim se chamava – levava uma existência onde o vazio era seu companheiro, desistindo de qualquer transformação no seu contorno. Poucas flores ou frutos, somente a tardinha alguns pássaros aventureiros procuram abrigo, mas logo ao raiar do dia vão embora. Volta a sua solidão a nascer, obrigando-lhe uma independência de todos e de tudo. Não fora abandonada nem rejeitada, por isso não sabia o que era amar ou ser amada e seu único sentimento era do ser e de subsistir, sem ter passado jamais por mexericos ou elogios.

Acostumada com esse nada crônico era amiga do vento e admirava o sol. Esporadicamente alguma caravana descansava em volta dela, pouco tempo e se vão pra cidade, sente temores de caráter sagrado, venerandos seus ramos que apontavam para o céu. Ela, no entanto, era indiferente a qualquer reverência e preferia a solidão à que estava acostumada. Não se preparara para qualquer convívio, preocupando-se apenas em expandir suas raízes por mais de trinta e cinco metros de seu tronco, para buscar a água necessária que lhe permitisse viver e continuar contemplando o vácuo do nada e a não existência de qualquer outra coisa do que sua sombra. Por fim, e a seu modo, era feliz, mesmo divorciada dos prazeres jubilosos que outras acácias pudessem sentir nas florestas desta vida.

Tem medo de um dia, admirando um sol que era só seu e que brilhava solitário no isolamento que ele próprio inventara, venha sentir um golpe fatal no seu corpo de madeira e, perdendo o equilíbrio, tombará na beira da estrada para não levantar nunca mais. Fora atropelada por uma fatalidade. Um caminhão mal conduzido por alguém que não entendeu seu desejo de buscar, na solidão, o vazio do universo. Aquela que jamais se socializara teve uma morte sem testemunhas, encontrando uma paz insólita, depois de tantos anos e, como em um velório sem amigos nem parentes, a acácia partiu de madrugada, sem avisar o sol e abraçada com o vento.

Jova
Enviado por Jova em 05/06/2018
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