A turma do supletivo
Saudades da turma do Supletivo!
Saudades da Eleusa Wieczorek, que às vezes me dava a impressão de ser uma pessoa simples, outras, um tanto confusa, difícil. Ela morava na rua José Modesto próximo à avenida Doctor Hans Peter Von Kernff. Mas, sem dúvida alguma, era muito criativa, usava e abusava da criatividade. Eleusa tinha um salão de beleza que ficava no Bairro Josemar, ao lado da Boutique Christian Lacroix. O nome do salão era Salão de BEleusa. Viu só que criatividade? Original ela, muito original
Saudades do Edvaldo, que morava na Rua Camões, no Bairro Carlos Drummond de Andrade, sabia português pra burro, era bom no treco "a gente se encontramos depois... o pessoal da nossa sala são demais... eu não se dei bem com ele... a maioria são... quem somos eu para dizer o contrário... um dos motivos principal...".
Já a Giselia gostava de esnobar o português. Ela e o Edvaldo não se davam muito bem. Estava na cara que a Giselia queria dar uma de professora. Com a Giselia tudo era assim "duzentOs gramas de chã de dentro... São duas horas... É uma hora... meio dia e meiA... O clã... é sObrancelha!... haja vistA que... é entre MIM e você... deixe-ME ver... a Beth é meiO tímida... eSpontâneo não se escreve com x... e Myrthis é com y e th".
A Norma, não seguia a norma, era a mais culta da turma: citava Aldous Huxlei, Espinosa, via filmes de Ingmar Bergman e escutava músicas de Milles Davis e Egberto Gismonte. Um detalhe: a Norma não se dava bem com ninguém, pois procurava não se misturar. Uma vez ou outra, abria a boca. Era um enigma para toda a turma.
Saudades da Anita, que era uma romântica! Aliás, essa palavra sempre me grilou, pois sempre achei que o acento deveria ser com um tiuzinho, o famoso ~, para que ficasse mais romãntica; "cairia melhor!", pensava eu. Mas a Anita era mesmo romântica! Para cada matéria, ela tinha a fotografia de um galã de novela ou um ídolo diferente na capa. Eu nunca soube a ordem exata para que tipo de matéria, sei que havia fotos de Fábio Junior, Mauricio Mattar, do marido da Gloria Pires, do Zezé de Camargo sem o Luciano e outros que não me recordo agora. Ela também colecionava adesivos da coleção Amar É. A Anita vivia cheia daquelas figurinhas.
Já o Beneval tinha o bigode maior que já vi. Aquilo não era bigode, parecia uma barba inteira. O bigode dele intimidava qualquer um. Por isso, ninguém ficava de brincadeira com ele. Todo mundo o respeitava e se sentia até um pouco diminuído diante daquele bigodaço. Como a verdade sempre aparece, foi o maior auê na sala quando a Eleusa disse tê-lo visto no Bar do Lulu Dantas, na maior intimidade, soltando a franga pra valer com um tal de Gruzzy, figura conhecidíssima na cidade, pela sua extrema delicadeza e afins. A Eleusa disse que quando viu Beneval de frente, ele estava com o bigode amassado, a expressão saciada, e que quase desmaiou de susto quando notou que ela o viu ao lado do Gruzzy no maior love. Só sei que, depois do ocorrido, Beneval nunca mais deu as caras, ou melhor, o bigodaço, na sala de aula, sumiu do mapa.
Saudades do Valtinho, que era o cara que agitava a galera nas sextas-feiras tão logo a última aula terminava. Ele era fera no violão, que tocava com uma paletinha esperta de plástico de cor amarela. As nossas sextas-feiras eram mesmo de arrepiar, a gente atravessava as madrugadas cantando músicas de Cristian & Ralph, Agepê, Roberta Miranda, Nelson Ned, Jean e Giovanni, Wando, Agnaldo Timóteo, só gente da pesada, enfim. Um dia o Valtinho me segredou, claro, à boca pequena, que era apaixonado pela cantora Alcione, que, para ele, ela o era o máximo, se ele pudesse a levaria para uma ilha deserta onde os dois ficariam às sós, ele, seu violão e ela, ela com o seu vozeirão e, ainda por cima, tocando piston.
- Pó, meu, seria demais!, confessou-me com um misto de frenesi e tocante paixão no olhar.
É claro que a Norma jamais participou de nossas farras, achava-se superior a todos nós.
Saudades da Doralice. Dora, como a gente a chamava, morava na rua Cântico do Sol ao lado da Tabacaria Café com Arte, ela era mestra em aguçar a imaginação da turma. Desde uma simples insinuação a uma pergunta mais direta e franca que se fizesse a ela, a resposta era uma só:
- Imagina!
Já a Dirce não era de instigar a imaginação de ninguém, pois afirmava sempre:
- é dose!
O diálogo entre a Dora e a Dirce não passava de: imagina! é dose!
Saudades do Cloves, o filósofo!, um filósofo eclético, é claro. Eu sempre achei que ele excedia um pouco, estava sempre a misturar as antenas, ora citava Kant, outras Sidney Sheldon, passava para Confúcio, embarcava em Lair Ribeiro, Paulo Coelho, castigava uma tirada de Voltaire, Espinosa, Dercy Gonçalves... uma mistureba do cão! No entanto, ele defendia-se dizendo não estar preso em nenhuma forma de pensamento direcionado e que se pode extrair de tudo e de todos uma forma rica de ver a vida. E olhe que não é mesmo!
A Dariane tinha os cabelos de espiga de milho, os olhos da cor do kwui, a boca meio que atomatada , belas e possantes morangas na região traseira, abaixo dos quadris, coxas de melancia, seios de pera de bom tamanho recém colhidas, era, enfim, uma fartura e delícia de mulher. O pai dela, um tal de Gervásio, era o proprietário de um verdurão, que ficava no início do Viaduto Solimões. A rapaziada do do supletivo achava que de tanto o Gervásio pensar em frutas e verduras, a Dariane nasceu assim... todo mundo queria comer. As más línguas diziam que o pai dela era meio que taradão, não deixava passar batido, era do tipo crecou, relou, a cenoura levou. "Intrigas", sempre pensei. O estabelecimento do pai dela chamava-se "VerDurão do Gervásio". O pessoal estava sempre tocando no assunto. "Insinuações sem fundamento", eu sempre emendava no pensar.
Saudades do Damázio, que era o mais velho e o mais esforçado de todos. Ele morava na rua do Porvir, no Bairro do Crepúsculo, trabalhava como balconista numa loja que vendia roupas, a Camisaria Esperança Renovada. O pessoal comentava que ele pintava os cabelos de acaju a fim de se aparentar mais novo. Tirando a maldade de lado, há que se reconhecer que ele era muito aplicado, pois até na hora do lanche, ele não largava do livro, ficava quieto estudando. O pessoal só ficava na base da gozeira quando ele ficava repetindo:
- Ainda vou ser doutor!
Mesmo nos momentos mais adversos, quando a matéria dada parecia cada vez mais confusa, intrincada e todos achavam que não iam dar conta, ele repetia:
- Ainda vou ser doutor!
É, mas como é a vida... a última vez que tive notícias dele, alguém, acho que foi o Cloves que me disse que ele estava internado numa casa de recuperação para doentes dos nervos.
Saudades do Adamantino, o nosso poeta! Sujeito inspirado aquele! Eu até decorei uma poesia dele de tanto ouvi-lo declamar. "Traição Sincera", é o nome dela. Ei-la:
TRAIÇÃO SINCERA
O céu estava vermelho
- o da boca -
E assim ela me enganava
Como um poeta
Que trapaceia com as palavras
Jurava que nem de casa saia
Quando viu nos meus olhos
A flor murcha da desconfiança
Jurou outra vez que nem de casa saia
Claro: ficava em casa sim
A traição era sincera
Só que com um outro
A lhe fazer companhia
Mas isso ela não dizia
Saudades da turma do supletivo! Como dizia o Edvaldo: - Esse pessoal são demais.