Reencontro
Anteontem foi meu aniversário. Como minha família não comemora aniversários, sempre tive uma curiosidade por esse evento, sempre quis saber o que acontece com a pessoa quando ela se vai ficando mais velha. Tentando desvendar esse mistério, lembro que, quando criança, esperava que alguma coisa mudasse em meu corpo ou em minha mente instantaneamente, de modo que eu pudesse perceber aquela unidade de tempo que se acrescentava em minha existência. Eu esperava acordado a hora exata de meu nascimento: fechava bem os olhos, com toda a força e abria-os, checando a mim mesmo e à minha volta.
É inútil dizer que minhas conclusões sempre foram frustradas. Não acontecia nada. No máximo, eu recebia uns parabéns de meus pais e familiares mais próximos. À medida que ia ficando mais velho, fui abandonando essa mania.
Anteontem, porém, resolvi praticar meu antigo hábito de menino. Em uma noite chuvosa de insônia, repeti: fechei os olhos em frente ao espelho, esperando a hora certa...
De olhos fechados, eu via o interior de um rapaz. Ele tinha muita força, embora não conseguisse usá-la. Havia nele uma solidão dilacerante, que eu mesmo me condoí. Eu me queimei com a solidão do rapaz que eu via. Quase acordava em choque, mas a curiosidade de saber os porquês dele fez-me voltar. Tentei perguntar, mas logo percebi que ali palavras eram desnecessárias e inaudíveis. Naquele plano, só olhares, gestos e sentimentos. O silêncio. A quietação predominava sobre ele e sobre mim. Abracei-o e desejei-lhe feliz aniversário.
Abri os olhos. Mais uma vez, não mudou nada: minha imagem em frente ao espelho, o som da chuva lá fora e a calmaria ensurdecedora da noite.