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Desde criança eu voltava da escola, quase sempre, com a velha calça de tergal azul marinho, rasgada nos joelhos. Meu pai me dava um ensinamento que só vim apreender na fase adulta.

Hoje durante a caminhada, pude ver o quanto foi valioso sua orientação. Ele dizia que eu devia ao andar, levantar bem a ponta do pé, olhar o chão uns metros a frente, mapear os buracos, as falhas do piso para evitar tanta queda.

Então, durante essa costumeira atitude de avaliar o piso onde iria passar, embora apressada, pude notar no chão, um embrulho com umas cores bem familiares, entre o laranja e amarelo, e também entre p vermelho e rosado.

Abaixei e apanhei o enroladinho rapidamente, prendi entre o peito e o top, segui meu caminho.

Fui pensando no infeliz que talvez nem tivesse dado pelo perdido. Meu primeiro pensamento era encontrar o sujeito, mas como fazer isso? Qualquer um poderia se apropriar do "pacotinho". Segui num trote suave, mas querendo me afastar o mais rápido possível do ponto da sorte. Estendi a caminhada, por um quilômetro do percurso usual, para evitar dar de cara com alguém na volta com cara de azarado.

Mas ao subir a avenida, olhava os transeuntes com seus olhares desconfiados... Cada um poderia ter me visto interrompendo a caminhada e abaixando rapidamente ou podia ter sido vista pelo próprio dono que viria refazendo seu trágico caminho.

Ia imaginando um possível encontro. Como eu reagiria? Como perguntaria ao pretenso proprietário, para não ser vítima de um espertalhão que passou por ali no mesmo instante...

Ao mesmo tempo que pensava que o achado era um presente de Deus, me vinha a certeza de que era somente um teste à minha "avareza". E isso ficou contundente, quando decidi sair da pista central e voltar pelo passeio da avenida. Quis justificar para mim mesmo que era por causa da sombra, mas no fundo sabia que ainda temia ter de devolver o que era alheio.

Vinha desfiando esse rosário, dava uma boa história... eu que ultimamente tenho me achado um escritor, tinha inédito material de trabalho. As frases para a próxima crônica desfilavam inteirinhas na minha mente.

Até que enfim cheguei no estacionamento, entrei no carro aliviado, peguei o bloco de notas e pensei em escrever o texto ali mesmo. Mas não é que senti um baita medo? O receio de alguém ter me seguido e chegar esbaforido, batendo na janela do meu carro.

Cláudia Machado

1/6/18

Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 01/06/2018
Reeditado em 01/06/2018
Código do texto: T6352531
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