A bolsa que não é amarela
A bolsa que não é amarela
(Crônicas da vida - Márcia Seven)
Certo dia estava eu a trabalhar, fazendo o que mais me cativa, lecionar. Era uma sala ainda de crianças, descobrindo a adolescência, 6° ano; desses adolescentes que chegam no Ensino Fundamental II movidos a esperança e curiosidade.
Como de praxe, dei-lhes alguns minutos para a organização do espaço e de seus pertences, primeira aula da tarde. Tempo em que também uso para observá-los, olhar nos olhos e recepcioná-los com um boa tarde. Afinal, quem não gosta de se sentir bem? É dever de cada um propiciar um ambiente agradável a todos que estão a sua volta, promover sinergia.
Em cima da mesa do Matheus, menino astuto, alegre e observador, que chegara à escola quando o ano letivo já havia começado semanas antes, pude observar que algo diferente fazia parte do seu material escolar, era azul, mas parecia verde. Por não ser comum, lógico que chamaria a atenção de qualquer pessoa que o observasse. Para não incomodá-lo, olhei-o de longe, sosseguei-me e comecei a aula. Mas sabe como são professores, ainda mais de Língua Portuguesa, dificilmente não se detêm a um novo diálogo; discurso então! Aproximei-me, e rasguei o elogio: nossa, que bonito, de cor alegre!
Com um sorriso no rosto e a expressão ansiosa de quem queria muito falar, respondeu o Matheus:
__ É o seu presente, professora.
__ Meu presente? Assaltada pela surpresa, questionei-lhe.
__ É a sua bolsa, e eu que estou fazendo-a. Amanhã mesmo ela estará pronta, e você tem que usá-la.
Detida pela emoção, e sem saber lidar com tal situação, disse-lhe em tom agradável que ficaria gratificada com o presente e muito mais feliz por haver descoberto uma de suas habilidades, fazer crochê.
Aquilo lhe parecia surpreendente. O comportamento do Matheus era de quem tivera a certeza de que deveria continuar a sua produção e terminá-la o quanto antes; nem de cima da mesa ele retirou, e eram só algumas tiras de crochê formando uma fita larga e a agulha grudada nela.
Deveras, com o coração cheio de vida e surpreendida, por viver uma era onde afeto e alteridade parecem escassos, continuei a aula.
No dia seguinte, minutos antes de tocar a pavorosa sirene que alarma o início da tarde e nos leva a voltar num passado historicamente contado, aparece o menino, de sorriso largo, apressado e ansioso, com aquele pacote de rosas sortidas na embalagem, com mãos estendidas, pronunciando meu nome.
__ Professora Márcia, aqui está o seu presente. É a sua bolsa.
__ Recebi o pacote, dei-lhe um abraço de gratidão. Mas não era só isso que o Matheus queria de retribuição. Com meias palavras, disse:
__ Abra. Também quero ver.
Ele esperava ter a certeza de que eu havia gostado do presente. O que não seria dito com palavras, na sua concepção de menino observador e prestativo, isso era perceptível.
Abri, coloquei-a no ombro e disse-lhe que me seria útil, mulheres amam bolsas. Mas que esta bolsa, nunca se acabaria, pois havia se eternizado nos seus gestos de carinho, amor e prontidão.
Olhando-me com curiosidade, mantendo o seu sorriso como quem acabara de realizar um sonho, não disse mais nada, mas esperava que assim eu o fizesse.
Disse-lhe então, que bolsas como essa, a gente zela com amor, pois nela se carrega tesouros, valores que nem o tempo nem ninguém rouba ou destrói, como a sua atitude de demonstrar gratidão em forma de amor.
E o Matheus continuou construindo bolsas e partilhando a sua identidade com quem ele gosta, não por carência, mas sapiência de quem vive de verdade.
A minha, é uma bolsa azul, a da Raquel, amarela.