NAS SOMBRAS DA NOITE
Da série: Surreais
Um riacho,uma ponte ,uma floresta rala traçada por uma ladeira.
No tôpo da colina,um casarão.
Sombrio,reservado...Parece fechado para o mundo.
Por vezes, uma das janelas abre-se para o quintal.
[ Figueiras partilham abandono entre urzes e capim alto ]
De quando em quando,um galo desavisado rasga no peito as soledades da casa.
Um estranho senhor divide com seus fantasmas os amplos compartimentos daquela moradia.
Raramente é avistado . Quando sai percorre calado o caminho , alheio à tudo ao seu redor.
Apesar de seu modo excêntrico , exerce um fascínio à quem lhe observa; e o povoado , em vão , tenta decifrar o enigma que o cerca.
Sua aparência é melancólica . O olhar guarda segredos.
A aldeia semeada do outro lado da ponte "traça-lhe" em histórias mirabolantes.Criam-se os mais variados enredos para o seu personagem.
A única venda do povoado é ,de fato, quem conhece-lhe os traços refinados de seu gosto .Quanto aos demais!?...Tudo fica por conta do imaginário.
É êle ,sem dúvida,um ser enigmático; quase oculto naquela casa de aparência misteriosa.
Porém, quando cai a noite , os lustres derramam-se em luzes no casarão. As mãos daquêle homem caem sobre o teclado de um piano e a aldeia se transforma.
Estrelas juntam-se aos bandos e lentamente vão se aproximando.
Pequenas janelinhas pelo casario, abrem-se em sorrisos de madeira para a ladeira de pedras.
Emoldurados nas soleiras,olhares femininos marejados espreitam vultos,sonham seus príncipes e...
seus corações em revoadas perambulam os arredores da colina sonorizada.
Cães se aquietam .
Absortos, os vagalumes varrem as trevas em seus silêncios de pirilampos.
[ A música os entorpece ]
Incrustado na floresta,uiva o guará. Dilacera na garganta as brumas de sua solidão de lobo .
O riacho escorre a mudez das águas e, sob a velha ponte de ferro,coaxam os sapos o infortúnio de suas feiúras.
Lua e melodia lhes valhem em consolo, enquanto aquêle piano vasculha o solitário breu da aldeia .
Dominados pelos acordes , rendem-se os homens. Sorvem na venda a cachaça do tempo.
Travam no copo a amargura de seus opacos desempenhos .Os recônditos da alma querem-lhes sair boca à fora.A frouxa luminosidade das lamparinas,projeta nas paredes da bodega o perfil medíocre de suas existências.
Em devaneios, mulheres entregam –se.
Dão-se ao pianista!... Em almas e corpos.
“Chopin” enternece !
Submisso aos comandos dos dedos daquele ser enigmático escorre em divina melodia colina abaixo.
[ Uma espécie de transe ]
Aldeia em êxtase!...Paralisada...
Até que a última luz se apague,até que aquele piano emudeça numa derradeira nota e o casarão mergulhe uma vez mais
“nas sombras da noite”.
Joel Gomes Teixeira