VOLTANDO A DRUMMOND EM FRAGMENTOS - PARTE III

Do meu velho caderno escolar (que eu escondi por muitos anos!), paulista exibido que só fazia umas sete frases sedutoras... o poema ACHADO, valor desta memória só descobri muitos anos depois.

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1--Um crítico bastante gozador! Acabou criando uma trilogia de BOITEMPO I - II e III, pois faltava ainda muita coisa para rememorar e contar... Humor, característica domnante que resume tanto os aspectos contraditórios de um passado familiar-social-religioso como ligações desse passado com um presente e um futuro. O cômico e o sublime interpenetram-se inesperadamente. Em muitas obras (no livro "Sentimento domundo", 28 poemas), como por exemplo "José", crítica da realidade contemporânea e interação dialética da morte e da vida, de perda e de ganho, de destruição e de criação. Em "A rosa do povo", poemas de 1943 a 1945, contexto histórico, crítica comovida da família e da vida rural e urbana, reabilitando seu passado familiar e cultural.

2--Em BOITEMPO I, o poeta desencavou mitos e fantasias das lembranças do menino itabirano, agora adulto refletindo sobre uma estrutura familiar e social falida - figuras divertidas e expressivas. Ah, seu Inacinho de velhos tempos! Zé Xanela, o eterno bêbado. Tatá, senhora de uma "viuvez tão antiga que virou de nascença" (NELSON RODRIGUES terá lido este poema?). Macedônio mudou o nome de sua propriedade para "Fazenda da Palestina". o humorismo procura os costumes, as tradições, as presenças do clã e do menino através do tempo e se 'explica' principalmente pelo abismo interposto entre o ser e o estar-no-mundo, grande, sombrio e violento das recordações da infância e da adolescência do "menino antigo" e, em tais recordações, o sentimento do mundo, processo de conhecimento e conscientização - clã dissecado, decadência econômica de uma família de aristocracia rural, relações difíceis e contraditórias entre o poeta e os ancestrais - "...o menino e s grandes..." O pátrio poder é que dita as ordens na famíiia mineira. Na comunidade social. No poema "Os grandes", de um lado os que falam de negócio, escrituras, apólices federais, demandas e hipotecas, de outro o menino com "seu brinquedo de pedrinhas que vale muito mais". Herança? Que herança? Humor, elemento de meduação para o mundo coletivo e o mundo subjetivo.

3--Em BOITEMPO II, o poema "Achado" nos diz do "tesouro enterrado há cem anos pelo guarda-mor" e só aparece "uma indignada minhoca". No poema "Liquidação", casa vendida com "todas as lembranças, todos os móveis, com todos os pesadelos, todos os pecados cometidos ou em vias de cometer, por uma quantia de "vinte, vinte contos"... MENINO ANTIGO e BOITEMPO II (1973), prosseguimento da obra já iniciada. Tinha o doido, folclore nacional - loucura mensa de respeitabilidade, mas lugar de louco que joga pedra é "no cubículo mais tétrico e lodoso da cadeia". Ambrósio Lopes, uma semana agonizante, mulher e filhos impacientes, conversando ante café e biscoitos. Telegrama, cidade emocinada. Para Chico Brito? (No também mineiro ANÍBAL MACHADO foi telegrama para Artaxerxes...) A professora Hortência é 'saxifragácea' (?) e o namorado lhe ensina que na verdade ela é sexifragrância. Sempre com muito humor, ficamos sabendo que Sá Maria é a empregada do coronel de "Anjo-guerreiro e a americana sorridente "compra as terras, compra tudo". Zico Tanajura vendeu terra "sem plantação, sem criação", a Mr. Jones, "embaixador deTio Sam em Londres".

4--Nestes três livros, identidade do poeta consigo mesmo, autodescoberta, decifração dos antepassados livros de contação de estórias, versos engraçados sobre sua terra e sua gente: Minas Gerais, ambiente revivido no cotidiano de costumes-mitos-tradições, imenso palco de desfile (desde Joaquim José........) do poeta menino e depois rapazinho - Itabira, repito, cidadezinha-fazenda-familiares-conhecidos, animais, coisas...

5--Significação humorística paradoxal, a lógica do humorismo esbarrando nas convenções - cadeiras na calçada, alguém espera algo indefinidamente, na calmaria mineira... santeiro máquina revoluções.. um outro é meu (?) elento e vota sempre na oposição... A lógica da comicidade difere da lógica corrente. Medos, fantasias e desejos frustrados sob o ângulo do bom humor, cotidiano opressivo, seja familiar ou social. Muitas vezes problemas sérios mostrados nos poemas ditos 'engraçados', como o exercício da autoridade e do poder na família e na sociedade: "...meu pai me ensina o medo e a rir do medo". Em termos psicanalísticos o sadismo infantil, menino atando carretel no rabo do gato - toda brincadeira infantil simula uma realidade nada casual, sempre repetitiva de situação anterior.

6--o humor de BOITEMPO, em geral, dramatiza criticamente inclusive certos valores morais, religiosos e de vícios, os usos e superstições da roça. Há um doutor 'herói' que, após longa viagem pelo exterior, volta à cidadezinha e outro doutor, "misterioso de capa preta ou invisivel, esse que cura todas as moléstias (de preferência as incuráveis)". Há o "Primo Zeantônio, chefe político liberal", que foi tudo em Minas, advogado, jornalista, juiz, deputado, senador (etc.), a quem a República impediu de ser governador em estado nordestino onde nunca estivera. Há fatos da pré-existência do poeta, como a estada do estrangeiro Saint-Hilaire (1779/1853), naturalista e botâico francês), nas terras brasileiras que, à noite, "parou na serra o seu cavalo, sob a chuva e a bofetada do trovão, europicamente deslumbrado". (Idem sobre Varnhagen, von Iering e Colbaccini - pesquise, caro leitor!) Caminhar de costas épesquisar o passado individual e coletivo em leitura de si mesmo e do mundo - reconstrução de uma é´pca, uma cidade, uma família.

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FONTE:

"Discurso humorístico de Boitempo", artigo de Gilda Salem Szklo - BH, SLMG, 30/10/82.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 31/05/2018
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