As chuteiras do craque 

     1. Como todo brasileiro que se presa, aguardo, com educada ansiedade, a estreia da seleção brasileira de futebol no mundial da Rússia.      
     Senti arrepios quando vi, decolando, o belíssimo avião (um hotel cinco estrelas alado) levando nossos atletas para a Europa. Fica sempre aquela "certeza" de que eles voltarão campeões do mundo.
     2. Há quem condene a euforia dos brasileiros achando que nossa seleção é imbatível. Com ela, diz uma musiquinha popular, "não há quem possa". Não é bem assim. Não custa nada aguardar. Se ganharmos a taça, pule-se, grite-se e beba-se à vontade.
     3. Conquistado o campeonato, aí, então, haverá clima para acontecer o que disse o saudoso Nelson Rodrigues (1912-1980), em crônica publicada no dia 23 de junho de 1962, comemorando o bi:      
     "As ruas se encheram de desconhecidos íntimos. Todo mundo beijava todo mundo. O Brasil foi, por um momento, a terra da ternura. Os bêbados caíam abraçados à sarjeta e querendo beijar o meio-fio".
     4. Como venho da copa de 1958 - Gylmar, De Sordi e Bellini, Zito, Orlando e Nilton Santos, Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo - e um respeitado banco -, por enquanto, não farei qualquer avaliação sobre os jogadores da seleção. As poderosas equipes que eles vão enfrentar, dirão se temos craques verdadeiros ou ídolos fabricados pela mídia interessada em faturar.
     5. Cabelos de cortes bizarros, briquinhos, tatuagens até nas nádegas e chuteiras coloridas (só não mudam a cor da camisa porque não podem) não fazem um craque de futebol. Não diria que sou contra a fantasia à qual aderiu a maioria dos jogadores; apenas lhe suplico, e aqui falo pela torcida verde-amarela, que joguem bola.
     6. Quando vejo as chuteiras coloridas desse pessoal, me lembro de uma crônica, publicada em 21.1.1996, do não menos saudoso Armando Nogueira (1927-2010); ele ("Na grande área") e o Nelson Rodrigues (À sombra das chuteiras imortais) foram os maiores e melhores jornalistas de esporte em todos os tempos. Pelo menos para mim.
     7. Escreveu Armando Nogueira: "Há muito tempo, Didi me contou uma história bonita que começa na final da Copa de 58. O campo pesado deixou muito barro grudado na sola das chuteiras dele. Decidiu guardá-las assim mesmo, enlameadas. 
     Para ele, as crianças tinham virado troféu. Eram intocáveis. Enfiou-as num saco plático e enfurnou no canto de um armário. Dias depois, deu saudade, foi revê-las. Numa delas havia um pequeno tufo de grama nascida, certamente, à luz de uma terna amizade". 
     8. E prossegue Armando: "Pergunto, então, ao craque de hoje: quantas vezes lustrastes, com as próprias mãos, tuas chuteiras? Quantas vezes, no vestiário deserto, te permitiste um olhar fraterno sobre elas. Elas que dão tanta glória a teus pés? " Portanto, não é só exibi-las e usá-las com cores variadas. Tá?
     9. Não sou cronista esportivo. Vocês acabaram de ver. Como Armando Nogueira, "Sou apenas um coração que descobriu no esporte um jeito meio infantil de ser feliz". Amanhã, falarei sobre Tite, não o treinador, mas o jogador. 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 30/05/2018
Reeditado em 31/05/2018
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