DE VOLTA AO PARAÍSO

Todos nós - mesmo os ateus - temos a esperança de uma vida eterna. De superar a morte. Quer sendo acolhidos no Paraíso, quer sendo lembrado por pessoas, principalmente familiares e entes queridos. No fundo, desejamos, ao menos, que nossos feitos em vida sirvam para deixar marcas na memória dos que aprenderam a nos admirar.

Daí, os conselhos, as regras e os exemplos para que nos comportemos bem em vida. Que sejamos justos e fraternos em nossas atitudes. Os cristãos tomam o exemplo e os ensinamentos de Jesus Cristo. Os católicos vão além, buscam incluir os santos ou os comuns beatificados entre as referências do bem.

Ultrapassar o “fim” é a principal razão que abre a dicotomia entre matéria e espírito ou alma**. Pelo “fim”, entrega-se a matéria em sacrifício para preservar a alma. Serve como consolo, mas não deixa de ser a maior razão para supervalorizar o espírito em relação à matéria. Contudo, essa concepção pode ensejar o risco de se admitir que ao Criador só interessa a alma. Lógica que não ajuda a entender a criação nem as criaturas.

Mais fácil é considerar corpo e alma como partes intimamente integradas e fundamentais ao ser. São elementos de afetação mútua. Ou seja: o espírito afeta – altera, modela - a matéria e vice-versa. Possivelmente com variações em sentido, intensidade, eficiência etc. Idade física cronológica, estímulos externos e humores fisiológicos internos seriam fatores determinantes dessa variação.

O desfazimento da interação espírito-matéria ocorre de modo definitivo com a morte física. A matéria se desfaz até sua mineralização. O espírito, ao contrário, não se consome. Para os cristãos pode ser condenado ao sofrimento eterno, como elevado ao gozo do Paraíso. Para os espiritualistas, o espírito se recicla sempre na direção do aperfeiçoamento. Com maior ou menor velocidade, ainda que, para tanto, possa ser submetido a tropeços, sacrifícios em suas reencarnações. Nas religiões espiritualistas orientais, a purificação e o aperfeiçoamento espiritual têm como fim glorioso sua transformação em luz.

Em suma, por qualquer dessas linhas racionais, o que se busca é a vida eterna, sob forte preocupação com o destino além do fim.

Intrigante é notar que as religiões não se preocupam muito com a precedência espiritual. O “antes do início”. A encarnação, como querem uns. De onde veio nosso espírito. Os espiritualistas são os únicos que falam do assunto, ainda que de modo tangencial. Continuam, contudo, a valorizar mais o espírito desencarnado que o encarnado. Talvez por representar consolo aos vivos no sentimento da falta.

Fato é que no fenômeno do nascimento, ao contrário da morte, se costuma superiorizar a matéria. Pouco se lembra do espírito que acompanha aquele corpo. O foco fica restrito ao bebê-gracinha. Por regular, magnificam-se atributos herdados dos pais: beleza física, inteligência, saúde etc. Até aspectos

biologicamente não transmitidos são arrolados como patrimônio do recém-nascido herdado dos pais. É o louvor à materialização. Acrescente-se: a cada dia aplaudem-se e incentivam-se gestões voltadas à manipulação genética para a produção de um filho ao gosto do freguês.

Do ponto de vista religioso, admite-se que a vida é produto da interação matéria-espírito. Que estes são entes diferentes que se juntam no nascimento e se separam na morte. A matéria, o corpo, quanto a sua origem, não suscita dúvida. Assim, cabe perguntar: de onde veio o espírito do recém-nascido, já que seu destino, na morte, depende da crença de cada um.

Para os católicos, a alma é obra do Criador, no momento da concepção. Porém, menos dogmático, menos misterioso, mais lógico ficaria imaginar o Criador lançando mão de almas do Paraíso para integrá-las aos recém-concebidos ou recém-nascidos. Habitado por merecedoras almas purgadas de suas máculas, o Paraíso Divino certamente é o lugar perfeito, de onde o Criador obteria almas ou espíritos puros para completar o milagre da criação.

Se não vejamos: crianças são absolutamente puras e inocentes ao nascer. Qualidades que se esmaecem com o avanço da idade ou na medida em que se afastam de sua fonte – o Paraíso. Dependendo de sua convivência familiar e social podem manter ou perder os qualificativos paradisíacos. Daí a necessidade de uma vida religiosa desde cedo e permanente. O catolicismo incentiva e justifica o batismo compulsório e não voluntário, já nos primeiros dias de vida, para contar com pais e padrinhos na conservação de hábitos de pureza nas crianças.

Exceto religiosos confessos, sacerdotes, irmãs e irmãos de caridade, pastores e outros líderes da fé, a maioria dos comuns tende a uma vida mundana descolada de sua raiz paradisíaca. Contudo, muitos amadurecem sob reflexão e arrependimento. Terminam resgatando o desejo de merecer o Paraíso, sem se dar conta que foi de lá que vieram. Que sua busca, ainda que tardia, não é bem uma ida e, sim, um retorno.

** Espírito e alma são aqui tratados como iguais, respeitando-se as variações de enfoque religioso.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 29/05/2018
Código do texto: T6350042
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