O INCAUTO

Leônidas contava o tempo pelo seu ilusório conta-gotas, construindo na sua mente cascatas aerófanas de alegria e, às vezes, poças lamacentas de tristeza.

Ah! se ele tivesse a antevisão do que seria formado lá adiante..., poderia escolher aguar ou não um naco de solo seco...mas ele varava os dias regando sonhos indistintos, propiciadores de rebentos temporais de prazer ou de frustração.

No quadragésimo terceiro dia de uma primavera, na tarde cálida de um hostil deserto, viu-se num oásis, desfrutando do refrigério da sombra surgida dos contornos da dama de cabelos anelados, busto coberto por veste de oscilante verde, portando escritos, odre e lenço nas mãos. Generosa, umedecia-lhe os lábios e pronunciava lenta, sorvendo as palavras doces daqueles escritos quase esquecidos.

Cena curta, de despedida airosa, embrumada de felicidade. Partiu ligeiro mas, estancou no caminho para refazer-se daquela emoção, constatando que as gotas espargidas do seu ilusório conta-gotas eram absorvidas pelo solo arenoso, não formando nem cascatas, nem poças, pois água no deserto, só em oásis...

Inconformado, vestiu-se de teimosia, insistindo ver aquela realidade vivenciada traduzida nas sonhadas cascatas aerófanas de alegria. Cavou com as mãos a areia profunda, até sangrar-lhe as unhas, despertando a curiosidade dos circunspectos. Por fim, curvou-se prostrado ao ouvir um brado vigoroso: Hora de parar, incauto!....

A hora continuou a passar pelo seu ilusório conta-gotas, mas o eco..., o eco daquele brado, ainda lhe tine aos ouvidos...

JOSE ALBERTO LEANDRO DOS SANTOS
Enviado por JOSE ALBERTO LEANDRO DOS SANTOS em 29/05/2018
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